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a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

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INTRODUÇÃO<br />

A posição mais comum, o que não quer dizer menos relevante, adotada<br />

<strong>na</strong> investigação do romance A paixão segundo G.H., publicado por Clarice Lispector<br />

<strong>em</strong> 1964, apóia­se <strong>na</strong> auto<strong>consciência</strong> hegelia<strong>na</strong> do “espírito absoluto”, ou seja, a<br />

posição ocupada pelo sujeito é a <strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhar o papel <strong>de</strong> um ser meramente<br />

reflexivo. Portanto, <strong>de</strong>sincumbido <strong>de</strong> qualquer função que resulte <strong>em</strong> uma prática<br />

transformadora da realida<strong>de</strong>. Essa visão é i<strong>de</strong>alizante, uma vez que sugere a<br />

mediação do objeto, do “real”, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rando os múltiplos significados que<br />

compõ<strong>em</strong> sua materialida<strong>de</strong> concreta. Tal postura a<strong>na</strong>lítica, pressupõe a leitura da<br />

obra a partir <strong>de</strong> um lugar imanente <strong>em</strong> que, priorizando­se ape<strong>na</strong>s uma das partes<br />

do todo, corre­se o risco <strong>de</strong> impor àquele uma visão reducionista <strong>em</strong> relação ao<br />

objeto. Na confluência <strong>de</strong>sse pensamento, a <strong>na</strong>rradora <strong>clarice</strong>a<strong>na</strong> é s<strong>em</strong>pre<br />

interpretada como um sujeito cuja <strong>crise</strong> existencial o tor<strong>na</strong> refém <strong>de</strong> um insondável<br />

conflito traduzido <strong>na</strong> busca incessante do elo <strong>de</strong> sua suposta i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> perdida. O<br />

tratamento crítico sugerido por essa metodologia investigativa prefere ignorar todo<br />

um conjunto <strong>de</strong> circunstâncias abstratas inerentes à própria organização da<br />

socieda<strong>de</strong> como um “concreto figurado”. Por ex<strong>em</strong>plo, as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais, o<br />

culto da imag<strong>em</strong> enquanto <strong>de</strong>corrência do fetiche da mercadoria, os conflitos <strong>de</strong><br />

classe, etc. Estas, são reflexões s<strong>em</strong>pre postas à marg<strong>em</strong> da via crúcis da<br />

protagonista no agônico diálogo consigo mesma, após reconhecer <strong>na</strong> ex­<br />

<strong>em</strong>pregada, Ja<strong>na</strong>ir, os valores humanos que aquela, <strong>na</strong> condição <strong>de</strong> patroa<br />

milionária, jamais estivera preocupada <strong>em</strong> perceber.<br />

No meu entendimento, a atitu<strong>de</strong> da crítica está s<strong>em</strong>pre voltada para uma<br />

forma <strong>de</strong> olhar abstrato sobre a obra <strong>em</strong> questão, o que se confirma <strong>na</strong> relação Eu<br />

x Não­eu ou Eu x mundo. Nesse caso, ambas as situações contribu<strong>em</strong> para a<br />

<strong>em</strong>ergência da <strong>consciência</strong> individual, uma vez que esta se projeta para a<br />

experiência, tomando a si mesma como referência, portanto, geradora <strong>de</strong> uma<br />

subjetivida<strong>de</strong> isenta <strong>de</strong> historicida<strong>de</strong>. Na primeira situação, a tendência do eu é<br />

coexistir <strong>na</strong> sua contraparte, o não­eu; <strong>na</strong> segunda, o seu conflito se estabelece <strong>em</strong><br />

relação à realida<strong>de</strong> circundante, o “outro”, pois o mundo se lhe parecerá s<strong>em</strong>pre<br />

como um eco <strong>de</strong> sua incompletu<strong>de</strong>. Noutros termos, isso implica dizer que sujeito e<br />

objeto se fund<strong>em</strong>, o que os coloca frente a uma relação <strong>de</strong>subjetivada. Nesse<br />

sentido, a gran<strong>de</strong> visada marxista opera­se <strong>na</strong> leitura que este realiza do “abstrato”.<br />

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