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a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

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edimir­se; enfim, <strong>de</strong> autoreconhecer­se <strong>na</strong> <strong>em</strong>pregada como o seu “outro <strong>de</strong><br />

classe”.<br />

Todavia, o momento no qual enfim se dá o acesso da perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> ao<br />

quarto <strong>de</strong> Ja<strong>na</strong>ir é contextualizado com uma frase conclusiva. Vale a<strong>na</strong>lisar: “Ali<br />

entrara um eu a que o quarto <strong>de</strong>ra uma dimensão <strong>de</strong> ela”. Na estrutura inter<strong>na</strong> do<br />

texto, esta elocução t<strong>em</strong> o peso <strong>de</strong> uma contradição. Como já se disse, a voz da<br />

<strong>na</strong>rradora representa os valores <strong>de</strong> classe do pensamento heg<strong>em</strong>ônico. Entretanto,<br />

<strong>de</strong>sse momento <strong>em</strong> diante começa a operar­se uma mudança no seu modo <strong>de</strong><br />

referir­se àquela a qu<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre fora indiferente, a qu<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre <strong>de</strong>votara “um ódio<br />

isento”. Na <strong>consciência</strong> da <strong>na</strong>rradora, Ja<strong>na</strong>ir passa a reverberar como uma figuração<br />

abstrata; mesmo assim, com atributos que a referenciam como um sujeito<br />

i<strong>de</strong>ologicamente <strong>de</strong> classe, porquanto, ao fazer­se presente <strong>de</strong> forma<br />

fantasmagórica no apartamento da ex­patroa, sublimi<strong>na</strong>rmente, era reconhecida por<br />

aquela como uma “mulher que era a representante <strong>de</strong> um silêncio como se<br />

representasse um país estrangeiro, a rainha africa<strong>na</strong>. E que ali <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> minha<br />

casa se alojara, a estrangeira, a inimiga indiferente” (LISPECTOR: 1998, 43).<br />

A seguir, contraditoriamente, a patroa irá sentir­se julgada através <strong>de</strong> uma<br />

gravura que a doméstica <strong>de</strong>senhara <strong>na</strong> pare<strong>de</strong> do apartamento.<br />

E foi numa das pare<strong>de</strong>s que num movimento <strong>de</strong> surpresa e recuo vi o<br />

inesperado mural.<br />

Na pare<strong>de</strong> caiada, contígua à porta ─ e por isso eu ainda não o tinha<br />

visto ─ estava quase <strong>em</strong> tamanho <strong>na</strong>tural o contorno a carvão <strong>de</strong> um<br />

hom<strong>em</strong> nu, <strong>de</strong> uma mulher nua, e <strong>de</strong> um cão que era mais nu do que<br />

um cão. Nos corpos não estavam <strong>de</strong>senhados o que a nu<strong>de</strong>z revela, a<br />

nu<strong>de</strong>z vinha ape<strong>na</strong>s da ausência <strong>de</strong> tudo o que cobre: eram os<br />

contornos <strong>de</strong> uma nu<strong>de</strong>z vazia. O traço era grosso, feito com ponta<br />

quebrada <strong>de</strong> carvão. Em alguns trechos o risco se tor<strong>na</strong>va duplo como<br />

se um traço fosse o tr<strong>em</strong>or do outro. Um tr<strong>em</strong>or seco <strong>de</strong> carvão seco<br />

[...] (LISPECTOR: 1998, 38­39).<br />

Exami<strong>na</strong>ndo­se alguns dos pormenores do “entalhe” escavado pela<br />

<strong>em</strong>pregada, à primeira vista, dir­se­ia tratar­se <strong>de</strong> uma homologia com a profissão da<br />

perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong>, reproduzindo as figuras <strong>de</strong> uma mulher e <strong>de</strong> um hom<strong>em</strong> nus, além <strong>de</strong><br />

um cachorro. Mas esta leitura é produzida por uma <strong>consciência</strong> culposa, a qual a<br />

converte <strong>em</strong> um texto constituído <strong>de</strong> múltiplos significados relacio<strong>na</strong>dos à<br />

materialida<strong>de</strong> concreta da socieda<strong>de</strong>. Noutros termos, é a própria socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

classes, com suas <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s, da qual G.H. faz parte, que se inscreve <strong>na</strong> sua<br />

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