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a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

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lança mão da técnica <strong>de</strong> montag<strong>em</strong>. Assim, o texto sofre uma alteração brusca, cujo<br />

movimento <strong>de</strong>scontínuo obe<strong>de</strong>ce à superposição <strong>de</strong> contextos, passando a refletir o<br />

próprio percurso fragmentário da perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong>, refém da falta <strong>de</strong> compreensão para<br />

o probl<strong>em</strong>a existencial que lhe aflige. Entenda­se: ela jamais imagi<strong>na</strong>ra quão<br />

<strong>de</strong>sigual era a socieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> que vivia, alheia ao fato <strong>de</strong> que a miséria instalara­se a<br />

alguns passos do seu living no quarto da <strong>em</strong>pregada. Entretanto, colocada nesses<br />

termos, a técnica <strong>de</strong> montag<strong>em</strong> sublinharia, além <strong>de</strong> um sofisticado processo<br />

enunciativo, a percepção por parte do escritor <strong>de</strong> uma visão <strong>de</strong> mundo<br />

extraordi<strong>na</strong>riamente probl<strong>em</strong>atizadora dos valores que soldam o comportamento do<br />

sujeito numa socieda<strong>de</strong>, infelizmente, vocacio<strong>na</strong>da para cumprir o papel que lhe<br />

cabe <strong>de</strong> objeto coisificado 1 , alie<strong>na</strong>do, conforme as regras estabelecidas pelo<br />

capitalismo.<br />

Assim, o procedimento <strong>na</strong>rrativo <strong>em</strong> Clarice segue a voga dos gran<strong>de</strong>s<br />

romancistas, que conceberam o <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>amento das ações interiorizadas <strong>na</strong><br />

<strong>consciência</strong> do sujeito como a própria consumação do ato <strong>na</strong>rrativo, este, elaborado<br />

como uma lógica inerente às contradições do mundo mo<strong>de</strong>rno.<br />

Quando <strong>em</strong> Proust o comentário está <strong>de</strong> tal modo entrelaçado <strong>na</strong><br />

ação que a distinção entre ambos <strong>de</strong>saparece, então isso quer<br />

dizer que o <strong>na</strong>rrador ataca um el<strong>em</strong>ento fundamental <strong>na</strong> sua<br />

relação com o leitor: a distância estética. Esta era i<strong>na</strong>movível no<br />

romance tradicio<strong>na</strong>l. Agora ela varia como as posições da câmara<br />

no cin<strong>em</strong>a: ora o leitor é <strong>de</strong>ixado fora, ora guiado, através do<br />

comentário, até o palco, para trás dos bastidores, para a casa das<br />

máqui<strong>na</strong>s [...] (ADORNO: 1983, 272)<br />

Ainda, <strong>de</strong> acordo com o autor, os romances inseridos nessa lógica<br />

<strong>na</strong>rrativa significariam uma “[...] resposta antecipadora a uma condição <strong>de</strong> mundo<br />

<strong>em</strong> que a atitu<strong>de</strong> cont<strong>em</strong>plativa virou escárnio total, porque a ameaça permanente<br />

<strong>de</strong> catástrofe não permite a mais ninguém a observação <strong>de</strong>sinteressada, n<strong>em</strong><br />

mesmo sua reprodução estética. [...] (ADORNO: 1983, 272). Por conseguinte, a<br />

distância entre <strong>na</strong>rrador e perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> é “abolida”; o que r<strong>em</strong>ete à compreensão do<br />

processo enunciativo para a sua camada subtextual, uma vez que “[...] o<br />

1 O termo reificação é aqui utilizado no sentido apontado por Lukács no tópico A reificação e a <strong>consciência</strong> do<br />

proletariado, da obra História e <strong>consciência</strong> <strong>de</strong> classe: estudos sobre a dialética marxista, o qual “se baseia no<br />

fato <strong>de</strong> uma relação entre pessoas tomar o caráter <strong>de</strong> uma coisa e, <strong>de</strong>ssa maneira, , o <strong>de</strong> uma ‘objetivida<strong>de</strong><br />

fantasmagórica’ que, <strong>em</strong> sua legalida<strong>de</strong> própria, rigorosa, aparent<strong>em</strong>ente racio<strong>na</strong>l e inteiramente fechada, oculta<br />

todo o traço <strong>de</strong> sua essência fundamental: a relação entre os homens”. A expressão também se aplica as mais<br />

variadas formas <strong>de</strong> manifestação artística, por ex<strong>em</strong>plo, a literatura.<br />

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