a consciência em crise na narrativa de clarice lispector
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experiência <strong>de</strong> um sujeito tido como insignificante; prática comum <strong>na</strong> leitura que o<br />
pensamento da classe domi<strong>na</strong>nte sobrepõe aos margi<strong>na</strong>lizados da socieda<strong>de</strong>.<br />
O impacto que lhe fora transmitido pelo conteúdo da gravura leva a<br />
perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> a uma reflexão bastante constrangedora acerca do comportamento<br />
preconceituoso que s<strong>em</strong>pre dispensou ao “outro”. Como conclusão, fica dito que ela<br />
pouco ou quase <strong>na</strong>da elaborava acerca do individualismo <strong>de</strong> classe que, apesar<br />
do pouco t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> convivência, a <strong>em</strong>pregada conseguiu perceber <strong>na</strong>s suas<br />
atitu<strong>de</strong>s. Organizadas <strong>de</strong> modo a transmitir uma postura in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, <strong>na</strong> moldura<br />
artesa<strong>na</strong>l riscada à carvão assentada sobre a pare<strong>de</strong>, as perso<strong>na</strong>gens pareciam<br />
traduzir a indiferença com que sua criadora fora tratada no apartamento on<strong>de</strong><br />
prestara serviços. Dispostas no mesmo espaço do <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> pedra, as imagens<br />
pareciam flutuar entre o chão e o teto; portanto, pareciam viver <strong>na</strong>s nuvens, como a<br />
d<strong>em</strong>onstrar a falsa superiorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que eram portadoras. Reproduzindose esse<br />
registro para o discurso da <strong>na</strong>rradora, notese que é mirandose <strong>na</strong> presença<br />
espectral <strong>de</strong> Ja<strong>na</strong>ir que ela se <strong>de</strong>scobre <strong>na</strong> condição <strong>de</strong> um sujeito opressor,<br />
cúmplice das práticas exclu<strong>de</strong>ntes da classe à qual pertencia.<br />
[...] Havia anos que eu só tinha sido julgada pelos meus pares e pelo<br />
meu próprio ambiente que eram, <strong>em</strong> suma, feitos <strong>de</strong> mim mesma e<br />
para mim mesma. Ja<strong>na</strong>ir era a primeira pessoa realmente exterior<br />
<strong>de</strong> cujo olhar eu tomava <strong>consciência</strong> (LISPECTOR: 1998, 40).<br />
Essa reflexão é <strong>de</strong>finitivamente reveladora do <strong>em</strong>bate, muitas vezes surdo, que<br />
predomi<strong>na</strong> <strong>na</strong>s relações <strong>de</strong> classe. Isso ocorre <strong>de</strong> forma disfarçada porque aten<strong>de</strong><br />
aos próprios interesses daqueles que formulam o pensamento da classe domi<strong>na</strong>nte.<br />
No seio da socieda<strong>de</strong> capitalista, forjase a idéia <strong>de</strong> que as classes exist<strong>em</strong> <strong>de</strong> forma<br />
verticalizada, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes entre si. Na prática, esse pressuposto não se confirma,<br />
pois existe o princípio da contradição que envolve as partes <strong>em</strong> disputa. Noutros<br />
termos, não é simplesmente <strong>na</strong> tentativa <strong>de</strong> anular o “outro” que se dá o <strong>em</strong>bate<br />
entre as classes. O locus <strong>de</strong> enunciação da perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> ape<strong>na</strong>s confirma que<br />
somente a práxis, o apren<strong>de</strong>r pela experiência conflituosa, é o instrumento capaz <strong>de</strong><br />
revelar ao sujeito sua subjetivida<strong>de</strong> histórica. Logicamente, o <strong>em</strong>prego <strong>de</strong>ssa<br />
expressão, no caso da perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong>, não <strong>de</strong>ve ser traduzido nos termos <strong>de</strong> percebê<br />
la como uma revolucionária, como um sujeito politicamente <strong>em</strong>penhado <strong>em</strong> mudar o<br />
curso da história, pois <strong>em</strong> nenhum momento a textualida<strong>de</strong> da autora confirma tal<br />
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