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a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

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Prosseguindo­se no plano do discurso alegórico benjaminiano, i<strong>de</strong>ntifico<br />

no procedimento <strong>na</strong>rrativo <strong>de</strong> A hora da estrela as mesmas potencialida<strong>de</strong>s ruinosas<br />

cont<strong>em</strong>pladas <strong>em</strong> A paixão segundo G.H. O perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong>­<strong>na</strong>rrador, Rodrigo S.M., é<br />

um escritor profissio<strong>na</strong>l fracassado, entregue à tarefa <strong>de</strong> escrever um romance cujo<br />

esboço manteve­se latente <strong>em</strong> sua m<strong>em</strong>ória por um bom t<strong>em</strong>po: “Como eu irei dizer<br />

agora, esta história será o resultado <strong>de</strong> uma visão gradual há dois anos e meio<br />

venho aos poucos <strong>de</strong>scobrindo os porquês” (LISPECTOR: 1978b, 16). Acontece<br />

que, no ato <strong>de</strong> elaboração da história <strong>de</strong> sua perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> Macabéa, uma imigrante<br />

nor<strong>de</strong>sti<strong>na</strong> que <strong>de</strong>ixara o sertão <strong>de</strong> Alagoas para viver no Rio <strong>de</strong> Janeiro, o processo<br />

criativo vai se constituindo como um mecanismo <strong>de</strong> autoquestio<strong>na</strong>mento da função<br />

social da literatura. Portanto, como instrumento <strong>de</strong> uma práxis, <strong>de</strong> um “ato<br />

simbólico”, “[...] por meio do qual as reais contradições sociais, insuperáveis <strong>em</strong> si<br />

mesmas, encontram uma resolução puramente formal no reino da estética<br />

(JAMESON: 1992, 72).<br />

[...] O que escrevo é mais do que invenção, é minha obrigação<br />

contar sobre essa moça entre milhares <strong>de</strong>las. E <strong>de</strong>ver meu, n<strong>em</strong><br />

que seja <strong>de</strong> pouca arte, o <strong>de</strong> revelhar­lhe a vida.<br />

Porque há o direito ao grito.<br />

Então eu grito.<br />

Grito puro e s<strong>em</strong> pedir esmola. Sei que há moças que vend<strong>em</strong> o<br />

corpo, única posse real, <strong>em</strong> troca <strong>de</strong> um bom jantar <strong>em</strong> vez <strong>de</strong> um<br />

sanduíche <strong>de</strong> morta<strong>de</strong>la. Mas a pessoa <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> falarei mal t<strong>em</strong><br />

corpo para ven<strong>de</strong>r, ninguém a quer, ela é virg<strong>em</strong> e inócua, não faz<br />

falta a ninguém (LISPECTOR: 1978b, 18).<br />

Na probl<strong>em</strong>atização daquilo que lhe ficara <strong>na</strong> m<strong>em</strong>ória, inevitavelmente, o<br />

“dizer esse outro”, o conflituoso conteúdo social <strong>de</strong> que se reveste Macabéa também<br />

implica no dizer sobre o próprio <strong>na</strong>rrador, sabendo­se ele como um sujeito inserido<br />

no contexto da classe domi<strong>na</strong>nte. Nessa perspectiva, o silêncio <strong>de</strong> que se reveste o<br />

monólogo interior do perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> manifestar­se­á como sua fantasmagoria. Esta,<br />

materializada <strong>na</strong> sua culpa <strong>de</strong> escritor burguês que jamais estivera preocupado com<br />

as questões sociais. Desse modo, o olhar <strong>de</strong>le sobre a perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> confere ao que<br />

ele escreve uma reflexão sobre si mesmo e, nesse aspecto, representa um ato <strong>de</strong><br />

confissão, conforme já sugeri, <strong>de</strong> culpa. Veja­se esta sequência:<br />

[...] Ela me acusa e o meio <strong>de</strong> me <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r é escrever sobre ela.<br />

Escrevo <strong>em</strong> traços vivos e ríspidos <strong>de</strong> pintura. Estarei lidando com<br />

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