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a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

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CAPÍTULO I – O SILÊNCIO COMO MEDIAÇÃO DO PROCESSO<br />

SOCIAL<br />

Em A paixão segundo G.H, tão logo a <strong>na</strong>rrativa se inicia o leitor<br />

surpreen<strong>de</strong>­se com a marcação <strong>de</strong> um extenso e instigante travessão, produto <strong>de</strong><br />

um engenhoso procedimento lingüístico utilizado pela escritora com a intenção <strong>de</strong><br />

introduzir <strong>na</strong> ce<strong>na</strong> do texto a fala da perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong>. No meu entendimento, ao recorrer<br />

a esse artifício, a autora ress<strong>em</strong>antiza a marca <strong>de</strong> pontuação e, assim proce<strong>de</strong>ndo,<br />

rompe com a lógica da causalida<strong>de</strong> <strong>na</strong>rrativa. Ressignificado no texto como<br />

el<strong>em</strong>ento s<strong>em</strong>ântico, uma vez que passa a constituir­se como um ato <strong>de</strong> fala, os<br />

travessões convert<strong>em</strong>­se <strong>em</strong> uma espécie <strong>de</strong> reserva m<strong>em</strong>orialísta que, mais<br />

adiante, se saberá, diz respeito às fissuras do drama <strong>de</strong> <strong>consciência</strong> protagonizado<br />

pela perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> G.H., o qual t<strong>em</strong> como palco o quarto da ex­<strong>em</strong>pregada, Ja<strong>na</strong>ir,<br />

com qu<strong>em</strong> convivera por ape<strong>na</strong>s seis meses.<br />

Confira­se a seqüência:<br />

­ ­ ­ ­ ­ ­ estou procurando, estou procurando. Estou tentando<br />

enten<strong>de</strong>r. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a qu<strong>em</strong>, mas<br />

não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi,<br />

tenho medo <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>sorganização profunda. Não confio no que me<br />

aconteceu. Aconteceu­me alguma coisa que eu, pelo fato <strong>de</strong> não a<br />

saber como viver, vivi uma outra? A isso quereria chamar<br />

<strong>de</strong>sorganização, e teria a segurança <strong>de</strong> me aventurar, porque<br />

saberia <strong>de</strong>pois para on<strong>de</strong> voltar: para a organização anterior. A isso<br />

prefiro chamar <strong>de</strong>sorganização pois não quero me confirmar no que<br />

vivi <strong>na</strong> confirmação <strong>de</strong> mim eu per<strong>de</strong>ria o mundo como eu o tinha,<br />

e sei que não tenho capacida<strong>de</strong> para outro (LISPECTOR: 1998, 11).<br />

Isso significa dizer que já havia um discurso <strong>em</strong> andamento. É o que<br />

si<strong>na</strong>lizam os seis travessões, os quais cumpr<strong>em</strong> a função <strong>de</strong> tentar estabelecer uma<br />

referência, um ponto­<strong>de</strong>­articulação para a continuida<strong>de</strong> do relato da perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong>.<br />

Trata­se dos resíduos indiciadores do quão <strong>de</strong>sestruturante fora, como se verá mais<br />

adiante, o episódio vivido pela protagonista, G.H., no quarto da ex­<strong>em</strong>pregada.<br />

Nesse contexto, a <strong>na</strong>rrativa probl<strong>em</strong>atiza o conflito <strong>de</strong> uma representante da classe<br />

domi<strong>na</strong>nte que, ironicamente, ence<strong>na</strong> no seu drama o próprio drama da classe a que<br />

pertence. Paralelamente, o insólito <strong>de</strong> que se reveste o artifício discursivo da autora<br />

estaria a exigir um comentário mais específico quanto à posição da <strong>na</strong>rradora no<br />

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