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a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

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fatos como se foss<strong>em</strong> as irr<strong>em</strong>ediáveis pedras <strong>de</strong> que falei.<br />

Embora queira que para me animar sinos badal<strong>em</strong> enquanto<br />

adivinho a realida<strong>de</strong>. E que anjos esvoac<strong>em</strong> <strong>em</strong> vespas<br />

transparentes <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> minha cabeça quente porque esta quer<br />

enfim se transformar <strong>em</strong> objeto­coisa, é mais fácil (LISPECTOR:<br />

1978b, 22).<br />

No bojo <strong>de</strong> sua <strong>consciência</strong> culposa, a imag<strong>em</strong> ficcio<strong>na</strong>l que ele cria<br />

acerca <strong>de</strong> Macabéa é a <strong>de</strong> uma figura completamente fragilizada, vivendo numa<br />

socieda<strong>de</strong> mercantilizada, portanto, sob o jugo do lucro. No mercado <strong>de</strong> trabalho<br />

para o qual <strong>em</strong>presta sua mão­<strong>de</strong>­obra como datilógrafa, ela não t<strong>em</strong> a menor<br />

<strong>consciência</strong> <strong>de</strong> que é facilmente substituível, assim como qu<strong>em</strong> troca o parafuso<br />

imprestável <strong>de</strong> uma máqui<strong>na</strong>. Nesse mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>, l<strong>em</strong>bra Lukács:<br />

[...] o trabalhador <strong>de</strong>ve necessariamente apresentar­se como o<br />

'proprietário <strong>de</strong> sua força <strong>de</strong> trabalho, como se esta fosse uma<br />

mercadoria. Sua posição específica resi<strong>de</strong> no fato <strong>de</strong> essa força <strong>de</strong><br />

trabalho ser a sua única proprieda<strong>de</strong>. Em seu <strong>de</strong>stino, é típico da<br />

estrutura <strong>de</strong> toda a socieda<strong>de</strong> que essa auto­objetivação, esse<br />

tor<strong>na</strong>r­se mercadoria <strong>de</strong> uma função do hom<strong>em</strong> revel<strong>em</strong> com vigor<br />

extr<strong>em</strong>o o caráter <strong>de</strong>sumanizado e <strong>de</strong>sumanizante da relação<br />

mercantil (LUKÁCS: 2003, 209).<br />

Mas, o <strong>na</strong>rrador t<strong>em</strong> <strong>consciência</strong> <strong>de</strong>sse estado <strong>de</strong> coisas. Aliás, s<strong>em</strong>pre teve; daí,<br />

sua afirmação: [...] Também sei das coisas por estar vivendo. Qu<strong>em</strong> vive sabe,<br />

mesmo s<strong>em</strong> saber que sabe. Assim é que os senhores sab<strong>em</strong> mais do que<br />

imagi<strong>na</strong>m e estão fingindo <strong>de</strong> sonsos (LISPECTOR: 1978b, 16­17).<br />

Quer me parecer que a nódoa fantasmagórica da qual o <strong>na</strong>rrador tenta<br />

livrar­se está no cerne <strong>de</strong> suas próprias relações com o mundo administrado. Quero<br />

me referir à invejável situação fi<strong>na</strong>nceira <strong>de</strong> que ele é <strong>de</strong>tentor, ao ponto <strong>de</strong><br />

consi<strong>de</strong>rar­se um <strong>de</strong>sonesto por ganhar mais dinheiro do que aqueles que passam<br />

fome, (LISPECTOR: 1978b). A questão que aqui se coloca não é tão simples,<br />

porquanto é necessário entendê­la como parte <strong>de</strong> um processo intrinsecamente<br />

relacio<strong>na</strong>do sobre o modo como o visgo do capitalismo se entranha <strong>na</strong> <strong>consciência</strong><br />

das pessoas <strong>de</strong> forma a objetivá­las. Daí que o comportamento <strong>de</strong> “seu” Raimundo,<br />

chefe da perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong>, ao tentar d<strong>em</strong>iti­la, percebendo nesta sua i<strong>na</strong>bilida<strong>de</strong> para<br />

lidar com a escrita, <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> reificação não difere do discurso do perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong><br />

que, a todo momento, investe <strong>na</strong> possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> relegá­la à condição <strong>de</strong> material<br />

<strong>de</strong>scartável, tanto quanto o mundo no qual ela vive. Observe­se esta passag<strong>em</strong>:<br />

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