06.05.2013 Views

a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Note­se como, inconscient<strong>em</strong>ente, a mente “subversora” da peque<strong>na</strong><br />

Joa<strong>na</strong> coloca <strong>em</strong> cheque os princípios que reg<strong>em</strong> a socieda<strong>de</strong> machista <strong>em</strong> que a<br />

mulher é educada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo para casar­se, cuidar do marido e ter filhos. Outra<br />

questão aqui abordada refere­se ao que hoje se discute, às vezes <strong>de</strong> forma estéril.<br />

Refiro­me ao probl<strong>em</strong>a dos gêneros do ponto­<strong>de</strong>­vista do discurso literário.<br />

B<strong>em</strong> ao estilo do que é prescrito pelas <strong>na</strong>rrativas pautadas <strong>na</strong> causalida<strong>de</strong><br />

das ações, é a história que a professora <strong>de</strong> Joa<strong>na</strong> acabara <strong>de</strong> contar para os seus<br />

colegas <strong>de</strong> classe. Seguindo­se a lógica do senso comum, o fim da fabulação é<br />

conclusivo: E daí <strong>em</strong> diante ele e toda a família <strong>de</strong>le foram felizes. Escrevam <strong>em</strong><br />

resumo e sa história para a próxima aula (LISPECTOR: 1980b, 29). Contudo, o que a<br />

professora menos esperava era que o paradigma sobre a felicida<strong>de</strong> contido <strong>na</strong><br />

<strong>na</strong>rrativa que acabara <strong>de</strong> ler para as crianças fundamentava­se <strong>em</strong> um domínio<br />

cognitivo <strong>na</strong>da palatável ao que a perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> elaborava como “conhecimento<br />

prévio”. Por <strong>de</strong>sconfiar da receita explicitamente traduzida pela configuração racio<strong>na</strong>l<br />

da historinha que lhe fora contada, eis que a criança passa a questioná­la,<br />

contorcendo o seu significado (LISPECTOR: 1980b). Soberba, insólita, ao mesmo<br />

t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que d<strong>em</strong>onstra sua discordância com o princípio <strong>de</strong> que a felicida<strong>de</strong> é<br />

algo irreversivelmente duradouro, vez que a realida<strong>de</strong> não é assim tão <strong>de</strong>terminista<br />

quanto supõe o cânone que a orienta para esse fim, Joa<strong>na</strong> fulmi<strong>na</strong> a um só t<strong>em</strong>po a<br />

ilogicida<strong>de</strong> do discurso que traduz a realida<strong>de</strong> <strong>em</strong>pírica como algo <strong>de</strong>finitivamente<br />

estabelecido, além <strong>de</strong> pôr <strong>em</strong> dúvida se, <strong>na</strong> prática, a professora conhecia a<br />

felicida<strong>de</strong>, diferente da versão romântica baseada <strong>em</strong> uma forma <strong>de</strong> saber<br />

heg<strong>em</strong>onicamente fundamenta <strong>na</strong> razão, por isso mesmo, questionável. Repare­se<br />

<strong>na</strong> interlocução:<br />

Ainda mergulhadas no conto as crianças moviam­se lentamente, os<br />

olhos leves, as bocas satisfeitas.<br />

O que é que se consegue quando se fica feliz?, sua voz era uma<br />

seta clara e fi<strong>na</strong>. A professora olhou para Joa<strong>na</strong>.<br />

Repita a pergunta... ?<br />

Silêncio. A professora sorriu arrumando os livros.<br />

Pergunte <strong>de</strong> novo, Joa<strong>na</strong>, eu é que não ouvi.<br />

Queria saber: <strong>de</strong>pois que se é feliz o que acontece? O que v<strong>em</strong><br />

<strong>de</strong>pois? repetiu a meni<strong>na</strong> com obsti<strong>na</strong>ção.<br />

A mulher encarava­a surpresa.<br />

Que idéia! Acho que não sei o que você quer dizer, que idéia.<br />

Faça a mesma pergunta com outras palavras...<br />

Ser feliz é para se conseguir o quê?<br />

47

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!