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a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

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‘foi <strong>de</strong> fato assim’, tanto mais cada palavra se tor<strong>na</strong> um mero faz <strong>de</strong> conta, tanto<br />

mais cresce a contradição entre sua pretensão e a <strong>de</strong> que não foi assim”<br />

(ADORNO:1983, 271).<br />

Avançando­se <strong>na</strong> pesquisa da produção <strong>de</strong> Clarice, o princípio que rege o<br />

processo <strong>de</strong> reelaboração do “real” apresenta­se como o fio condutor da crônica A<br />

irrealida<strong>de</strong> do realismo (1984), texto traduzido pela autora, a partir <strong>de</strong> um artigo<br />

homônimo escrito por Struthers Burt. Assim, po<strong>de</strong>­se perceber como ela parecia<br />

consi<strong>de</strong>rar muito tênue a linha fronteiriça entre “a interpretação do acontecimento” e<br />

a “<strong>de</strong>sconstrução” <strong>de</strong>ste. Capturando­se o sentido <strong>de</strong> suas palavras, o conceito <strong>de</strong><br />

realismo tanto aplicado à arte quanto à realida<strong>de</strong>, convergiria para a mesma<br />

correlação <strong>de</strong> sentido; portanto, seriam equivalentes. Na interlocução com o texto <strong>de</strong><br />

Burt, ela assi<strong>na</strong>la:<br />

Existe essa coisa como realismo no escrever, ou <strong>em</strong> outra espécie<br />

<strong>de</strong> arte, e o realismo <strong>em</strong> arte é possível? Não será a palavra<br />

‘realismo’ <strong>em</strong> si mesma uma contradição quando aplicada a<br />

qualquer forma <strong>de</strong> arte, qualquer forma <strong>de</strong> expressão huma<strong>na</strong><br />

consciente e controlada? Po<strong>de</strong>­se também dizer que essa palavra<br />

está <strong>em</strong> contradição quando aplicada mesmo <strong>na</strong> suposta <strong>de</strong>scrição<br />

<strong>de</strong> fatos <strong>de</strong> uma colu<strong>na</strong> <strong>de</strong> jor<strong>na</strong>l ou numa reportag<strong>em</strong>. O que é<br />

arte? Será a expressão huma<strong>na</strong> consciente, controlada e dirigida <strong>em</strong><br />

todas as suas miría<strong>de</strong>s <strong>de</strong> manifestações, <strong>em</strong> nível alto ou baixo,<br />

movimentado ou parado, com ou s<strong>em</strong> valor, permanente ou<br />

efêmero? E o que é realismo? (LISPECTOR: 1984, 83)<br />

Nessas condições, a arte buscaria <strong>na</strong> vida sua própria razão <strong>de</strong> ser. Desse<br />

modo, a vida também comportaria os mesmos atributos imanentes àquela, uma vez<br />

que ambas, ao se refletir<strong>em</strong>, também se refratam. Nessa perspectiva, até os<br />

acontecimentos veiculados <strong>na</strong>s pági<strong>na</strong>s dos jor<strong>na</strong>is estariam sob suspeita <strong>de</strong> não<br />

conferir<strong>em</strong> valor <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> no sentido referencial do termo; principalmente, quando<br />

se sabe da gama <strong>de</strong> complexos interesses, <strong>de</strong> nebulosas articulações, que gravitam<br />

<strong>em</strong> torno da produção <strong>de</strong> uma matéria jor<strong>na</strong>lística até sua transformação <strong>em</strong> notícia.<br />

Aqui, mais uma vez tor<strong>na</strong>­se necessário refletir acerca do contexto <strong>de</strong> significado e<br />

suas mediações. Daí se <strong>de</strong>duz o tom ambivalente, <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconfiança, com que a<br />

autora discorre sobre o espaço <strong>de</strong> transição entre a representação da realida<strong>de</strong> e a<br />

realida<strong>de</strong> da representação.<br />

No contexto <strong>de</strong> A paixão segundo G.H., com o objetivo <strong>de</strong> fazer com que a<br />

realida<strong>de</strong> seja focalizada a partir daquilo que ela não é, ­ pelo “não dito”, ­ a escritora<br />

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