06.05.2013 Views

a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

está dada, “acabada”. Ao questioná­la, quer me parecer que a perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> nos leva<br />

a refletir um pouco sobre “A coisificação <strong>de</strong> todas as relações entre os indivíduos,<br />

que transforma suas características huma<strong>na</strong>s <strong>em</strong> lubrificante para o andamento<br />

macio da maqui<strong>na</strong>ria, a alie<strong>na</strong>ção e a auto­alie<strong>na</strong>ção universais, [...]” (ADORNO:<br />

1983, 270). No rastro <strong>de</strong>sse comentário, vamos encontrar <strong>na</strong> perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> <strong>clarice</strong>a<strong>na</strong><br />

uma mulher alie<strong>na</strong>da, pertencente ao status quo da socieda<strong>de</strong>, vivendo num<br />

mundinho organizado pelas “relações petrificadas”, s<strong>em</strong> jamais ter se indig<strong>na</strong>do com<br />

as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais quando, <strong>de</strong> repente, se vê às voltas com uma <strong>crise</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>consciência</strong>, justamente, por ter se <strong>de</strong>scoberto no papel <strong>de</strong> objeto coisificado da<br />

engre<strong>na</strong>g<strong>em</strong> do sist<strong>em</strong>a a que se refere Adorno. Nessa perspectiva, quando ela<br />

<strong>de</strong>ci<strong>de</strong> transformar a conflituosa experiência que vivera <strong>em</strong> um escrito, “Enquanto<br />

escrever e falar vou ter que fingir que alguém está segurando a minha mão”<br />

(LISPECTOR: 1998, 18) o outro que ela invoca, a doméstica, presentifica­se <strong>na</strong><br />

sua <strong>consciência</strong> culposa como a contraparte <strong>de</strong> si mesma, inclusive, com todo um<br />

conjunto <strong>de</strong> significados sociais incrustados <strong>na</strong> cultura burguesa que ela não tinha a<br />

menor intenção <strong>de</strong> disfarçar.<br />

Em resumo, G.H. entregava­se s<strong>em</strong> maiores questio<strong>na</strong>mentos à vida que<br />

lhe era proporcio<strong>na</strong>da pela profissão <strong>de</strong> rica escultora, quando um dia resolve<br />

<strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhar a tarefa <strong>de</strong> faxineira <strong>de</strong> luxo, quando põe­se a fazer a limpeza <strong>de</strong> sua<br />

cobertura, iniciando­a pelo quarto <strong>de</strong> Ja<strong>na</strong>ir, a <strong>em</strong>pregada que se d<strong>em</strong>itira havia<br />

pouco. Da doméstica, a patroa sabia muito pouco. O extravasamento <strong>de</strong> seus<br />

recalques inter<strong>na</strong>lizados no convívio com os seus iguais <strong>de</strong> classe <strong>em</strong>erge quando<br />

ela constata que o aposento sobre o qual s<strong>em</strong>pre imagi<strong>na</strong>ra como sendo um imundo<br />

cubículo, somente <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>do a guardar entulhos, contrariamente à opinião que<br />

formara, estava <strong>em</strong> pleno estado <strong>de</strong> limpeza. E o mais agravante: o ambiente<br />

parecia mais agradável do que as chamadas <strong>de</strong>pendências sociais <strong>de</strong> sua luxuosa<br />

cobertura. Isso v<strong>em</strong> a provocar­lhe um incontrolável estado <strong>de</strong> fúria. Como já tinha<br />

<strong>em</strong> mente um plano para a arrumação do quarto, antes <strong>de</strong> executá­lo abre a porta<br />

<strong>de</strong> um velho guarda­roupa on<strong>de</strong> encontra uma barata e <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> matá­la. No entrecho<br />

da <strong>na</strong>rrativa, o inseto será utilizado como uma espécie <strong>de</strong> olhar lateral, posto que<br />

aquele serve como artifício para a autora ca<strong>na</strong>lizar toda a d<strong>em</strong>anda i<strong>de</strong>ológica<br />

reprimida do texto. Desse momento <strong>em</strong> diante, vai estabelecer­se um contraponto<br />

entre a perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> e a barata como forma <strong>de</strong> ence<strong>na</strong>r subtextualmente a sua<br />

culpa <strong>de</strong> classe <strong>em</strong> relação à <strong>em</strong>pregada.<br />

25

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!