06.05.2013 Views

a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

úmida”. Observe­se, acima <strong>de</strong> tudo, o quanto ela valoriza <strong>de</strong>svestir­se <strong>de</strong> sua<br />

enganosa fantasia <strong>de</strong> mulher que irradiava boa aparência:<br />

Cada vez mais eu não tinha o que pedir. E via, com fascínio e<br />

horror, os pedaços <strong>de</strong> minhas roupas <strong>de</strong> múmia caír<strong>em</strong> secas no<br />

chão, eu assistia à minha transformação <strong>de</strong> crisálida <strong>em</strong> larva<br />

úmida, as asas aos poucos encolhiam­se crestadas. E um ventre<br />

todo novo e feito para o chão, um ventre novo re<strong>na</strong>scia<br />

(LISPECTOR:1998, 75).<br />

Conscientizando­se <strong>de</strong> que vivera s<strong>em</strong>pre <strong>na</strong> condição <strong>de</strong> cúmplice <strong>de</strong><br />

uma visão <strong>de</strong> mundo conservadora, ela começa a conferir valor positivo ao que<br />

antes inculcara como negativo. Do meu ponto­<strong>de</strong>­vista, essa releitura cont<strong>em</strong>plada<br />

no discurso da protagonista faz com que i<strong>de</strong>ntifiqu<strong>em</strong>os <strong>na</strong> <strong>na</strong>tureza <strong>de</strong>sse processo<br />

alguns dos aspectos inerentes ao mundo mo<strong>de</strong>rno regido pela lógica do capitalismo:<br />

refiro­me ao fetiche da mercadoria, assunto a ser abordado no próximo capítulo. Por<br />

conseguinte, a protagonista compartilhava <strong>de</strong> uma filosofia <strong>de</strong> vida baseada numa<br />

imag<strong>em</strong> instituída pelo status quo ao qual pertencia:<br />

[...]. A espirituosa elegância <strong>de</strong> minha casa v<strong>em</strong> <strong>de</strong> que tudo aqui<br />

está entre aspas. Por honestida<strong>de</strong> com uma verda<strong>de</strong>ira autoria, eu<br />

cito o mundo, eu o citava, já que ele não era n<strong>em</strong> eu n<strong>em</strong> meu. A<br />

beleza, como a todo o mundo, uma certa beleza era o meu objetivo?<br />

Eu vivia <strong>em</strong> beleza (LISPECTOR: 1998, 31).<br />

Por outro lado, acredito que a recepção crítica <strong>de</strong> Lispector não se<br />

posicio<strong>na</strong> <strong>de</strong> maneira incorreta quando percebe nos traços <strong>de</strong> sua escrita as<br />

intercorrências da realida<strong>de</strong> metafísica. Vejamos o que nos diz Benedito Nunes:<br />

A acuida<strong>de</strong> reflexiva e a inquietação formam, <strong>na</strong>s perso<strong>na</strong>gens <strong>de</strong><br />

Clarice Lispector, os elos inseparáveis da ‘<strong>consciência</strong> <strong>de</strong> si’.<br />

Espectadoras dos seus próprios estados e atos, que têm a nostalgia<br />

da espontaneida<strong>de</strong>, enredadas <strong>em</strong> suas vivências, essas<br />

perso<strong>na</strong>gens obe<strong>de</strong>c<strong>em</strong> à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um aprofundamento<br />

impossível, e perd<strong>em</strong>­se entre os múltiplos reflexos <strong>de</strong> uma<br />

interiorida<strong>de</strong> que se <strong>de</strong>sdobra como superfície espelhada e vazia <strong>em</strong><br />

que se miram. Nelas, a <strong>consciência</strong> reflexiva é ‘<strong>consciência</strong> infeliz’.<br />

Quanto mais sab<strong>em</strong> <strong>de</strong> si menos viv<strong>em</strong>, e mais se exteriorizam. E<br />

tudo o que fi<strong>na</strong>lmente conhec<strong>em</strong> <strong>de</strong> si mesmas já é a imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> um<br />

ser outro com que se <strong>de</strong>frontam (NUNES: 1973, 101­102).<br />

Na passag<strong>em</strong> prece<strong>de</strong>nte, percebe­se que a opinião do crítico apóia­se <strong>na</strong><br />

tentativa <strong>de</strong> incursio<strong>na</strong>r através da interiorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> algumas das perso<strong>na</strong>gens<br />

23

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!