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a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

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Ali estava eu boquiaberta e ofendida e recuada diante do ser<br />

<strong>em</strong>poeirado que me olhava. Toma o que eu vi: pois o que eu via<br />

com um constrangimento tão penoso e tão espantado e tão<br />

inocente, o que eu via era a vida me olhando. [...] era lama, e n<strong>em</strong><br />

sequer lama já seca mas lama ainda úmida e ainda viva, era uma<br />

lama on<strong>de</strong> se r<strong>em</strong>exiam com lentidão insuportável as raízes <strong>de</strong><br />

minha i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> (LISPECTOR: 1998, 57).<br />

Visto sob esse viés dialético, passado e presente se permit<strong>em</strong> ser<strong>em</strong><br />

a<strong>na</strong>lisados do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> uma experiência prismática. Sendo assim, um e<br />

outro surgiriam encobertos por um pano <strong>de</strong> fundo histórico, ao mesmo t<strong>em</strong>po<br />

indistinto e distinto. Noutros termos, isso significa dizer que ambos são perpassados<br />

por uma linha ininterruptamente tensa, simbiótica. Assim referida, a história não se<br />

limita a um test<strong>em</strong>unho, a “[...] algo encontrado nos manuais <strong>de</strong> história e <strong>na</strong><br />

apresentação cronológica das seqüências históricas tão amiú<strong>de</strong> chamadas <strong>de</strong><br />

‘história linear’” (JAMESON: 1981, 31).<br />

No espaço social <strong>em</strong> que transitava, a protagonista dava mostras <strong>de</strong> ter<br />

construído sua imag<strong>em</strong> no ilusório inter­relacio<strong>na</strong>mento entre o “ser” e o “parecer”.<br />

Observe­se que isso fica assi<strong>na</strong>lado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o momento <strong>em</strong> que ela se sente julgada<br />

por Ja<strong>na</strong>ir. Retomando­se a sequência “Havia anos que eu só tinha sido julgada<br />

pelos meus pares e pelo meu próprio ambiente [...]”. Quer dizer, ela acreditava ser<br />

realmente aquilo que os seus iguais <strong>de</strong> classe s<strong>em</strong>pre afirmaram a seu respeito. Por<br />

conseguinte, instituiu o olhar do s<strong>em</strong>elhante sobre si como sendo verda<strong>de</strong>iro; algo<br />

que ela aceitava s<strong>em</strong> maiores questio<strong>na</strong>mentos:<br />

Essa imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> mim entre aspas me satisfazia, e não ape<strong>na</strong>s<br />

superficialmente. Eu era a imag<strong>em</strong> do que eu não era, e essa<br />

imag<strong>em</strong> do não­ser me cumulava toda: um dos modos mais fortes é<br />

ser negativamente. Como eu não sabia o que era, então ‘não ser’<br />

era a minha maior aproximação da verda<strong>de</strong>: pelo menos eu tinha o<br />

lado avesso: eu pelo menos tinha o ‘não’, tinha o meu oposto [...]<br />

(LISPECTOR: 1998, 32).<br />

Tal distinção <strong>de</strong> classe, correspondia <strong>na</strong> mesma proporção ao que ela<br />

admirava como predicado nos seus s<strong>em</strong>elhantes. Assim, o nome adquiria o peso <strong>de</strong><br />

um capital simbólico <strong>na</strong> instância das representações. “Também dos outros eu não<br />

exigia mais do que a primeira cobertura das iniciais dos nomes”. Habituada a um<br />

modo <strong>de</strong> vida <strong>em</strong> que ser <strong>de</strong>staque, ter seu nome figurado <strong>na</strong> lista dos catálogos era<br />

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