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a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

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erguendo aquela ruí<strong>na</strong> egípcia para a qual eu agora olhava com o<br />

olhar <strong>de</strong> minhas fotografias <strong>de</strong> praia. Só <strong>de</strong>pois eu saberia que tinha<br />

visto; só <strong>de</strong>pois, ao ver o segredo, reconheci que já o vira<br />

(LISPECTOR: 1998, 36).<br />

Aquilo que o olhar panoramicamente dubidativo da rica escultora flagrava<br />

<strong>na</strong>da mais era do que os efeitos colaterais <strong>de</strong> uma conversão grotesca, ou seja, a<br />

riqueza acumulada, diga­se ­ entesourada ­ <strong>na</strong>s mãos <strong>de</strong> uma minoria <strong>na</strong> qual ela<br />

estava inserida como representação simbólica, posto que vivia às custas <strong>de</strong> uma<br />

forma <strong>de</strong> lucro “não­distribuído”. Portanto, era cúmplice da dialética “acumulação­<br />

escassez do trabalho” que consiste num processo <strong>de</strong> geração da miséria <strong>em</strong> larga<br />

escala. Incorporado à moldura que sua visão perspectivava, “[...] o Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ouro e pedra brilhava sob o sol com seus seiscentos mil mendigos”<br />

[...](LISPECTOR: 1998, 107). Ultrapassando­se o “contexto <strong>de</strong> superfície” da<br />

<strong>na</strong>rrativa da autora, acredito que seja possível capturar as vozes <strong>de</strong> um Brasil <strong>em</strong><br />

que, entre nós, consolidava­se um mo<strong>de</strong>lo econômico, o qual sublinhava<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> com atraso sob o jugo do slogan “Segurança <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e<br />

<strong>de</strong>senvolvimento”, muito difundido durante o regime militar. Como se sabe, r<strong>em</strong>onta<br />

àquele período a conhecida “teoria do bolo”; invenção <strong>de</strong> um famoso economista<br />

que, por ter seu primeiro nome associado ao <strong>de</strong> um santo foi ironicamente tratado<br />

como milagreiro. À época, dizia ele que era preciso fazer crescer o bolo do setor<br />

adiantado da economia, para só <strong>de</strong>pois reparti­lo <strong>na</strong> área do atraso. Ou seja, a<br />

estimativa era <strong>de</strong> que o produto interno bruto aumentaria a tal ponto e, <strong>em</strong> igual<br />

proporção, que o acúmulo da riqueza seria dividido entre os mais pobres.<br />

S<strong>em</strong> que se perca <strong>de</strong> vista o fato <strong>de</strong> que a perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> é também<br />

escritora <strong>de</strong> sua experiência, portanto, mediadora <strong>de</strong> um ato criativo que se articula<br />

<strong>em</strong> torno da representação da linguag<strong>em</strong>, aos poucos, vamos nos dando conta <strong>de</strong><br />

como o conteúdo que lhe serve <strong>de</strong> inspiração começa a ajustar­se a uma prática que<br />

é por d<strong>em</strong>ais intrínseca à função da literatura. Qual seja, a <strong>de</strong> transitar entre duas<br />

formas <strong>de</strong> pensamento: uma heg<strong>em</strong>ônica, e outra contra­heg<strong>em</strong>ônica. Reconhecer<br />

essas vozes <strong>em</strong> confronto no texto da autora é importante para compreen<strong>de</strong>rmos<br />

porque cabe à literatura o papel <strong>de</strong> caixa <strong>de</strong> ressonância das questões sociais:<br />

Nesse sentido, formas são abstrato <strong>de</strong> relações sociais<br />

<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>das, e é por aí que se completa, ao menos a meu ver, a<br />

espinhosa passag<strong>em</strong> da história social para as questões<br />

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