a consciência em crise na narrativa de clarice lispector
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posto que <strong>de</strong>stoava <strong>de</strong>ste, principalmente por lhe ter<strong>em</strong> mascarado o viés<br />
i<strong>de</strong>ológico; opinião que direciono para o comentário a seguir:<br />
[...] Enquanto opção cultural, <strong>de</strong> corte europeu, afim à luta burguesa<br />
<strong>na</strong> Inglaterra e <strong>na</strong> França, o liberalismo político se abriria,<br />
lentamente, aliás, para um projeto <strong>de</strong> cidadania ampliada. Essa,<br />
porém, não era a situação brasileira on<strong>de</strong> a In<strong>de</strong>pendência não<br />
chegou a ser um conflito interno <strong>de</strong> classes. O confronto aqui se<br />
<strong>de</strong>u, fundamentalmente, entre os interesses dos colonos e os<br />
projetos recolonizadores <strong>de</strong> Portugal, <strong>na</strong> verda<strong>de</strong> já reduzido à<br />
quaseimpotência <strong>de</strong>pois da abertura dos portos <strong>em</strong> 1808 [...] (BOSI:<br />
2006, 199).<br />
Proce<strong>de</strong>ndose a uma breve leitura da obra, <strong>de</strong>scobrirseá por que, ao<br />
seu autor, é atribuído o rótulo <strong>de</strong> “bom burguês”. Reparese: Augusto, a perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong><br />
principal, <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penha muito b<strong>em</strong> o papel que lhe cabe representar, ou seja, o <strong>de</strong><br />
causar frisson <strong>na</strong>s madames sessento<strong>na</strong>s, como também <strong>na</strong>s suas respectivas<br />
netas; menininhas recémsaídas da adolescência. Assim, estava criado o clima para<br />
o <strong>de</strong>sdobramento <strong>de</strong> um drama amoroso incapaz <strong>de</strong> suscitar reflexões <strong>de</strong> outra<br />
monta, a não ser aquelas pertinentes ao seu foco <strong>de</strong> orig<strong>em</strong>. Todavia, essa situação<br />
t<strong>em</strong> muito a ver com o tipo <strong>de</strong> mediação, com a postura i<strong>de</strong>ológica que é atribuída<br />
ao <strong>na</strong>rrador. Nesse caso, cabelhe o papel <strong>de</strong> investirse <strong>de</strong> uma suposta<br />
onisciência, <strong>de</strong> um “autêntico d<strong>em</strong>iurgo que conhece todos os acontecimentos <strong>na</strong><br />
sua trama profunda e nos ínfimos pormenores, que sabe toda a história da vida das<br />
perso<strong>na</strong>gens,” (AGUIAR e SILVA: 1984, 776) estatuto que o converte <strong>em</strong> figuração<br />
do pensamento heg<strong>em</strong>ônico. Por conta <strong>de</strong>ssa visão <strong>de</strong>scomprometida <strong>em</strong> dissecar<br />
as urdiduras da realida<strong>de</strong> social, o clima da <strong>na</strong>rrativa segue s<strong>em</strong>pre ameno, s<strong>em</strong><br />
maiores intercorrências. Juntos, t<strong>em</strong>po e espaço se combi<strong>na</strong>m como se a vida<br />
costumasse transcorrer impermeável aos abalos que lhe são inerentes. Portanto,<br />
obe<strong>de</strong>cendo à lógica da causalida<strong>de</strong> compatível com o contexto <strong>de</strong> significado.<br />
Contrariamente, ao mo<strong>de</strong>lo estatuído pelo padrão <strong>na</strong>rrativo oitocentista, no<br />
primeiro romance <strong>de</strong> Lispector já vamos encontrar uma elaboração artística <strong>em</strong> que<br />
a sinuosida<strong>de</strong> do enunciado confun<strong>de</strong>se, <strong>na</strong> mesma proporção, com o processo<br />
enunciativo. Diante do exposto, observarseá que a <strong>na</strong>tureza do relato não<br />
obe<strong>de</strong>cerá ao “aqui e agora” <strong>de</strong> uma discursivida<strong>de</strong> sequenciada, se assim o fosse,<br />
o texto incorreria no convencio<strong>na</strong>lismo da fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> ao “real”, o que tor<strong>na</strong>ria sua<br />
lógica <strong>na</strong>rrativa previsível. De modo contrário, ou seja, com o objetivo <strong>de</strong> fazer com<br />
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