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a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

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até agora eu não havia percebido que aquela mulher era uma<br />

invisível. [...] (LISPECTOR:1998, 41).<br />

Em outra sequência, <strong>de</strong> forma indireta, alegórica, a protagonista retoma a<br />

idéia anterior numa visão zoomorfizada <strong>de</strong> Ja<strong>na</strong>ir <strong>na</strong> barata. “Vista <strong>de</strong> perto, a barata<br />

é um objeto <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> luxo. Uma noiva <strong>de</strong> pretas jóias” (LISPECTOR:1998, 71).<br />

Relações alegoricamente reificadas po<strong>de</strong>rão ser resgatadas no livro <strong>de</strong><br />

contos Laços <strong>de</strong> família, os quais se constitu<strong>em</strong> como mo<strong>de</strong>los refi<strong>na</strong>dos da veia<br />

crítica <strong>clarice</strong>a<strong>na</strong> sobre a família burguesa. O fragmento a seguir, é uma leitura <strong>de</strong><br />

Feliz aniversário:<br />

A família foi pouco a pouco chegando. Os que vieram <strong>de</strong> Olaria<br />

estavam muito b<strong>em</strong> vestidos porque a visita significava ao mesmo<br />

t<strong>em</strong>po um passeio a Copacaba<strong>na</strong>. A nora <strong>de</strong> Olaria apareceu <strong>de</strong><br />

azul­marinho, com enfeites <strong>de</strong> paetês e um drapejado disfarçando a<br />

barriga s<strong>em</strong> cinta. O marido não veio por razões óbvias: não queria<br />

ver os irmãos. Mas mandara sua mulher para que n<strong>em</strong> todos os<br />

laços foss<strong>em</strong> cortados – e esta vinha com o seu melhor vestido<br />

para mostrar que não precisava <strong>de</strong> nenhum <strong>de</strong>les, acompanhada<br />

dos três filhos: duas meni<strong>na</strong>s <strong>de</strong> peito <strong>na</strong>scendo, infantilizadas <strong>em</strong><br />

babados cor­<strong>de</strong>­rosa e anáguas engomadas, e o menino<br />

acovardado pelo terno novo e pela gravata (LISPECTOR: 1983,<br />

61).<br />

No contexto focalizado, os vários m<strong>em</strong>bros <strong>de</strong> uma mesma família se<br />

reún<strong>em</strong> para com<strong>em</strong>orar os 89 anos <strong>de</strong> sua matriarca. Fica evi<strong>de</strong>nte o clima <strong>de</strong><br />

constrangimento, <strong>de</strong> visível <strong>de</strong>sarmonia que contribui para a dissolução da falsa<br />

unida<strong>de</strong> s<strong>em</strong>ântica sugerida nos “laços” do título que dá nome à obra. Cai por terra a<br />

proposta <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> <strong>em</strong>butida no espírito da festa <strong>de</strong> aniversário. É flagrante no<br />

interior da família agrupada com o objetivo <strong>de</strong> celebrar uma data <strong>na</strong>talícia a<br />

formação <strong>de</strong> várias “células antagônicas”. Divididos, <strong>de</strong>sintegrados, irmãos,<br />

esposas, cunhados e os d<strong>em</strong>ais parentes reproduz<strong>em</strong> fielmente a máxima <strong>de</strong> que<br />

ape<strong>na</strong>s no álbum <strong>de</strong> fotografia a família parece unida. Longe <strong>de</strong> diferenciá­los<br />

daqueles que marcaram presença <strong>na</strong> festa, a ausência <strong>de</strong> um ou outro parente é<br />

justificada com uma característica comum a todos: a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diss<strong>em</strong>i<strong>na</strong>r a<br />

<strong>de</strong>sunião entre si. Portanto, no espaço <strong>na</strong>rrativo construído dialeticamente, os<br />

“faltosos” estão presentificados. Na <strong>de</strong>limitação <strong>de</strong>sse “território”, talvez até se possa<br />

afirmar a existência <strong>de</strong> uma velada marcação por uma posição <strong>de</strong> classe <strong>de</strong>ntro da<br />

mesma classe, bastando que se observe o recorte geográfico elaborado pelo olhar<br />

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