a consciência em crise na narrativa de clarice lispector
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falência dos preceitos éticos e morais entranhados <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong> regida pelo mundo<br />
capitalista.<br />
E é nesse passo que o leitor se <strong>de</strong>scobre tão importante quanto o<br />
herói para perceber com discernimento, e não ape<strong>na</strong>s<br />
parceladamente, as coor<strong>de</strong><strong>na</strong>das reais do mundo fragmento <strong>em</strong><br />
que ambos tateiam. No entanto é justamente essa estratégia<br />
artística que articula, no plano da construção formal, a <strong>consciência</strong><br />
alie<strong>na</strong>da do hom<strong>em</strong> mo<strong>de</strong>rno, constrangido a percorrer às cegas<br />
os caminhos <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> administrada <strong>de</strong> alto a baixo, on<strong>de</strong><br />
os homens estão concretamente separados não só uns dos outros<br />
como também <strong>de</strong> si mesmos (CARONE: 2009, 17).<br />
Observandose os princípios dialéticos, os quais orientam o mundo<br />
<strong>na</strong>rrado, levandose <strong>em</strong> conta a metamorfose do perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong>, a atenção, o afeto e<br />
a disponibilida<strong>de</strong> fi<strong>na</strong>nceira por ele <strong>de</strong>dicados à família, como também sua<br />
abnegada <strong>de</strong>voção ao trabalho convert<strong>em</strong>se <strong>em</strong> exceção <strong>na</strong>s regras do jogo <strong>de</strong><br />
interesses <strong>de</strong>smascaradas <strong>na</strong> vigência <strong>de</strong> sua enfermida<strong>de</strong>. Isso significa dizer que<br />
uma leitura do contexto do segundo plano vai nos revelar a negativida<strong>de</strong> dos valores<br />
até então ocultas pelo contexto <strong>de</strong> primeiro plano. Tanto é assim que a simples<br />
obrigação <strong>de</strong> acordarse para um novo dia <strong>de</strong> trabalho se lhe apresenta como o<br />
cumprimento <strong>de</strong> uma roti<strong>na</strong> torturante, <strong>de</strong>sestabilizadora do seu humor mati<strong>na</strong>l.<br />
Consequent<strong>em</strong>ente, o sono mal dormido coexiste com o incômodo das fatigantes<br />
jor<strong>na</strong>das <strong>de</strong> trabalho, <strong>de</strong> modo a compor juntamente com a célula familiar o lócus<br />
social que engendra o texto.<br />
A<strong>na</strong>lisese essa ce<strong>na</strong>:<br />
Vejase esta outra:<br />
Pai do céu! – pensou. Eram seis e meia e os ponteiros avançavam<br />
calmamente, passava até da meia hora, já se aproximava <strong>de</strong> um<br />
quarto. Será que o <strong>de</strong>spertador não havia tocado? Viase da cama<br />
que ele estava ajustado certo para quatro horas: seguramente o<br />
alarme tinha soado. Sim – mas era possível continuar dormindo<br />
tranqüilo com esse toque <strong>de</strong> abalar a mobília? B<strong>em</strong>, com a<br />
tranqüilida<strong>de</strong> ele não havia dormido, mas é provável que por causa<br />
disso o sono tenha sido mais profundo (KAFKA: 1997, 910).<br />
Ah, meu Deus! – pensou. – Que profissão cansativa eu escolhi.<br />
Entra dia, sai dia – viajando. A excitação comercial é muito maior<br />
que <strong>na</strong> própria se<strong>de</strong> da firma e além disso me é imposta essa<br />
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