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a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

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Na <strong>consciência</strong> da <strong>na</strong>rradora, o “reencontro” com a presença da miséria é<br />

precedido <strong>de</strong> um discurso cujo ponto­<strong>de</strong>­vista, ao voltar­se para a recuperação do<br />

“outro”, o faz <strong>de</strong> modo a questio<strong>na</strong>r todos os valores que constitu<strong>em</strong> a realida<strong>de</strong><br />

metafísica. Aliás, uma realida<strong>de</strong> <strong>na</strong> qual ela mesma construíra sua visão <strong>de</strong> mundo,<br />

ainda que sob o domínio <strong>de</strong> um olhar restritivo, este que passara a ser objeto <strong>de</strong><br />

uma experiência ressignificadora <strong>de</strong> sua própria condição huma<strong>na</strong>.<br />

[...] A esse olho ora provavelmente eu chamava <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, ora <strong>de</strong><br />

moral, ora <strong>de</strong> lei huma<strong>na</strong>,.ora <strong>de</strong> Deus, ora <strong>de</strong> mim. Eu vivia mais<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um espelho. Dois minutos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>na</strong>scer eu já havia<br />

perdido minhas origens. (LISPECTOR: 1998,.28)<br />

No processo <strong>de</strong> sua “r<strong>em</strong>ontag<strong>em</strong> huma<strong>na</strong>”, muito comum <strong>na</strong> diegese do<br />

texto é a recorrente alusão da <strong>na</strong>rradora à busca pelo “inexpressivo”, pela<br />

“ato<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>”. Outras vezes, a referência recai sobre a busca incessante pelo<br />

“neutro”.:<br />

[...] Às vezes – às vezes nós mesmos manifestamos o inexpressivo<br />

– <strong>em</strong> arte se faz isso, <strong>em</strong> amor <strong>de</strong> corpo também – manifestar o<br />

inexpressivo é criar. No fundo somos tão, tão felizes! Pois não há<br />

uma forma única <strong>de</strong> entrar <strong>em</strong> contato com a vida, há inclusive, há<br />

inclusive as formas negativas ! inclusive as dolorosas, inclusive as<br />

quase impossíveis – e tudo isso, tudo isso antes <strong>de</strong> morrer, tudo<br />

isso mesmo enquanto estamos acordados! E há também a<br />

exasperação do ato<strong>na</strong>l, que é uma alegria profunda: o ato<strong>na</strong>l<br />

exasperado é o vôo se alçando – a <strong>na</strong>tureza o ato<strong>na</strong>l exasperado,<br />

foi assim que os mundos se formaram: o ato<strong>na</strong>l exasperou­se<br />

(LISPECTOR 1998: 142).<br />

O aspecto motivador da conflituosa mudança operada <strong>na</strong> visão <strong>de</strong> mundo<br />

<strong>de</strong> G.H. resi<strong>de</strong>, como já foi dito, no seu processo <strong>de</strong> auto<strong>de</strong>scoberta <strong>em</strong> face do<br />

episódio que culminou no sentimento <strong>de</strong> culpa <strong>de</strong> classe <strong>em</strong> relação à <strong>em</strong>pregada.<br />

Dizendo­se ter perdido o medo do feio, ou seja, <strong>de</strong> perceber o absurdo fosso que<br />

separava sua condição <strong>de</strong> mulher rica coabitando com a pobreza. Assim, s<strong>em</strong><br />

precisar ao menos sair <strong>de</strong> casa, ela mergulha <strong>em</strong> uma profunda <strong>crise</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>consciência</strong>.<br />

O interessante <strong>na</strong> reflexão da rica escultora é a contun<strong>de</strong>nte crítica<br />

subsumida <strong>na</strong>s frestas <strong>de</strong> seu locus <strong>de</strong> enunciação. Releia­se a seqüência: “A<br />

balança da justiça tinha agora um prato único”. Ou seja, ela, a perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> (logo<br />

ela) passava a não consentir com o preconceituoso juízo <strong>de</strong> valor que não enxerga o<br />

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