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a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

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A ambivalência do <strong>na</strong>rrador correspon<strong>de</strong> ao seu perfil <strong>de</strong> classe<br />

domi<strong>na</strong>nte. Ora, ele <strong>de</strong>squalifica a perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong>, ora, volta atrás <strong>na</strong> sua atitu<strong>de</strong>.<br />

Todavia, a repercussão <strong>de</strong>ssa voz i<strong>de</strong>ologicamente contraditória é um traço<br />

característico da própria literatura, e r<strong>em</strong>onta ao período colonial. É como “fato<br />

histórico” interpenetrado pelo arcabouço cultural que Antonio Candido (2006)<br />

focaliza essa ambivalência no seu ensaio Literatura <strong>de</strong> dois gumes, o qual utilizo<br />

como ponto­<strong>de</strong>­referência <strong>na</strong> presente análise. O estudo procura traçar as<br />

coor<strong>de</strong><strong>na</strong>das <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> inculcação i<strong>de</strong>ológica sob o viés da literatura<br />

quando esta nos chegou trazida pelas mãos do colonizador, tendo como seu ponto<br />

<strong>de</strong> orig<strong>em</strong> a Europa. Nesse sentido,<br />

[...] <strong>em</strong> sua formação as nossas literaturas são essencialmente<br />

européias, <strong>na</strong> medida <strong>em</strong> que continuam a pesquisa da alma e da<br />

socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>finida <strong>na</strong> tradição das metrópoles. Tanto mais quanto<br />

foram transpostas à América <strong>na</strong> era do Humanismo, isto é, quando o<br />

hom<strong>em</strong> europeu intensificava o seu contacto com as fontes greco­<br />

lati<strong>na</strong>s e manifestava gran<strong>de</strong> receptivida<strong>de</strong> <strong>em</strong> relação a outras<br />

formas <strong>de</strong> cultura, das quais ia tendo a revelação [...] (CANDIDO:<br />

2006, 198).<br />

Imprimindo ao seu ponto­<strong>de</strong>­vista investigativo um “<strong>de</strong>sarrui<strong>na</strong>mento” do<br />

passado como forma <strong>de</strong> atualizá­lo no presente, o que segundo ele caracteriza<br />

i<strong>de</strong>ologicamente uma “tendência genealógica”, Candido vai à cata dos vestígios que<br />

possam conter as marcas impositivas do olhar do colonizador sobre a nossa literatura<br />

que, <strong>na</strong>quele momento, ainda se manifestava <strong>de</strong> forma incipiente. Por isso, apesar do<br />

muito que se escreveu acerca da suposta tradição literária que teria sido criada com a<br />

fusão das culturas lusita<strong>na</strong>s, africa<strong>na</strong>s e indíge<strong>na</strong>s, esse “alinhamento” foi mais<br />

significativo do ponto­<strong>de</strong>­vista folclórico, levando­se <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração as duas últimas<br />

etnias. Ainda assim, o resultado <strong>de</strong>sse processo já permite perceber a influência da<br />

i<strong>de</strong>ologia domi<strong>na</strong>nte. Sua absorção pela alma lusita<strong>na</strong> será, <strong>em</strong> seguida,<br />

transportada para o mo<strong>de</strong>lo <strong>em</strong>brionário <strong>de</strong> literatura que aqui chegara.<br />

Esse mesmo ranço colonialista também é motivo das análises do autor<br />

(CANDIDO, 2006), ao abordar a instrumentalização aplicada pela catequese no seu<br />

trabalho <strong>de</strong> conversão dos catecúmenos à cultura do colonizador. Desse modo,<br />

tentava­se impor aos índios uma forma <strong>de</strong> domi<strong>na</strong>ção através do imaginário com a<br />

utilização do que eu chamaria <strong>de</strong>” pedagogia do espelhamento pelo reflexo”. O<br />

mo<strong>de</strong>lo consistia <strong>em</strong> transmitir aos silvícolas, hábitos e costumes religiosos<br />

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