06.05.2013 Views

a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

um espaço <strong>na</strong> <strong>consciência</strong> <strong>de</strong> um sujeito que até então fora indiferente à presença<br />

<strong>de</strong> seu outro <strong>de</strong> classe, cuja ênfase sobressai com a entrada <strong>em</strong> ce<strong>na</strong> <strong>de</strong> um “tu”,<br />

modulado pela <strong>consciência</strong> da perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong>. Repare­se: (i) “Se tu pu<strong>de</strong>res saber<br />

através <strong>de</strong> mim, s<strong>em</strong> antes precisar ser torturado, [...]”; (ii) “e então não suportei a<br />

tortura e confessei [...]”; e <strong>em</strong> (iii) “como se me arrancass<strong>em</strong> as unhas”. Assim, <strong>na</strong><br />

citação direcio<strong>na</strong>da a si mesmo o sujeito­<strong>na</strong>rrador disfarça o seu sentimento <strong>de</strong><br />

culpa, que é também o <strong>de</strong> seus iguais <strong>de</strong> classe, pela posição política omissa<br />

assumida s<strong>em</strong>pre que estão <strong>em</strong> jogo os interesses <strong>de</strong> uma classe <strong>de</strong>sprivilegiada.<br />

Nesse contexto, vale l<strong>em</strong>brar que a <strong>na</strong>rradora <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penha o papel <strong>de</strong> um doublé:<br />

sua voz contrace<strong>na</strong> com as vozes da classe domi<strong>na</strong>nte no sentido <strong>de</strong> <strong>de</strong>smascará­<br />

las <strong>na</strong>quilo que estas representam <strong>de</strong> contraditório. Daí, a motivação alegórica da<br />

<strong>na</strong>rrativa mais que se acentua. Investindo­se <strong>de</strong>ssa máscara, G.H. se vê e, do<br />

mesmo modo, vê o “outro” através <strong>de</strong> um ângulo <strong>de</strong> visão subtraído daquilo que,<br />

normalmente, é consumado como verda<strong>de</strong> inquestionável: autoreconhecer­se do<br />

ponto­<strong>de</strong>­vista do “imundo”. Este aparece subsumido <strong>na</strong>s fímbrias do discurso<br />

metafísico no qual é transfigurada a imag<strong>em</strong> do duplo “Ja<strong>na</strong>ir­barata”, um modo mais<br />

que recorrente <strong>de</strong> a <strong>na</strong>rradora, ao mesmo t<strong>em</strong>po, escamotear o significado político­<br />

i<strong>de</strong>ológico do texto, além <strong>de</strong> utilizar­se daquele como uma espécie <strong>de</strong> tábua <strong>de</strong><br />

salvação <strong>na</strong> tentativa <strong>de</strong> encontrar as possíveis explicações para compreen<strong>de</strong>r a<br />

horrível “prosa do mundo” com a qual se <strong>de</strong>frontara no quarto da <strong>em</strong>pregada. Por<br />

isso, é no cerne mesmo da racio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> metafísica que o discurso da perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong><br />

se constrói enquanto alegoria.<br />

Desse modo, a <strong>crise</strong> <strong>de</strong> <strong>consciência</strong> da perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> <strong>clarice</strong>a<strong>na</strong> cont<strong>em</strong>pla<br />

a vertiginosa e abissal experiência <strong>de</strong> um sujeito existencialmente conflituoso <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que se perceba aquele como um ser objetificado – daí sua contradição – no mundo<br />

das relações <strong>de</strong> classe do qual assimilara todo um conjunto <strong>de</strong> valores arcaicos, os<br />

quais passam a se constituir como objeto <strong>de</strong> seu autoquestio<strong>na</strong>mento através da<br />

fantasmagoria que criara <strong>em</strong> torno da presença imaginária da <strong>em</strong>pregada:<br />

Ont<strong>em</strong> <strong>de</strong> manhã – quando saí da sala para o quarto da <strong>em</strong>pregada<br />

– <strong>na</strong>da me fazia supor que eu estava a um passo da <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong><br />

um império. A um passo <strong>de</strong> mim. Minha luta mais primária pela vida<br />

mais primária ia­se abrir com a tranqüila ferocida<strong>de</strong> <strong>de</strong>voradora dos<br />

animais do <strong>de</strong>serto. Eu ia me <strong>de</strong>frontar <strong>em</strong> mim com um grau <strong>de</strong><br />

vida tão primeiro que estava próximo do i<strong>na</strong>nimado. No entanto<br />

57

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!