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a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

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movimentos ininterruptos <strong>de</strong> uma convivência <strong>em</strong> que a presença do genitor estava<br />

irreversivelmente inter­relacio<strong>na</strong>da com os sons onomatopéicos, os quais indiciavam<br />

uma lógica movida pela racio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>. Pela disposição gráfica com que é feita a<br />

referência à maqui<strong>na</strong>, é possível inferir que o possuidor e o objeto possuído<br />

confund<strong>em</strong>­se:<br />

A MÁQUINA DO PAPAI batia tac­tac ... tac­tac­tac ... O relógio<br />

acordou <strong>em</strong> tin­dlen s<strong>em</strong> poeira. O silêncio arrastou­se zzzzzz. O<br />

guarda roupa dizia o quê? Roupa­roupa­roupa. Não, não. Entre o<br />

relógio, a máqui<strong>na</strong> e o silêncio havia uma orelha à escuta, gran<strong>de</strong>,<br />

cor­<strong>de</strong>­rosa e morta. Os três sons estavam ligados pela luz do dia e<br />

pelo ranger das folhinhas da árvore que se esfregavam umas <strong>na</strong>s<br />

outras radiantes.<br />

Encostando a testa <strong>na</strong> vidraça brilhante e fria olhava para o quintal<br />

do vizinho, para o gran<strong>de</strong> mundo das galinhas­que­não­sabiam­que­<br />

iam­morrer. E podia sentir como se estivesse b<strong>em</strong> próxima <strong>de</strong> seu<br />

<strong>na</strong>riz a terra quente, socada, tão cheirosa e seca, on<strong>de</strong> b<strong>em</strong> sabia,<br />

b<strong>em</strong> sabia uma ou outra minhoca se espreguiçava antes <strong>de</strong> ser<br />

comida pela galinha que as pessoas iam comer (LISPECTOR:<br />

1980b, 11).<br />

Nesse universo impreg<strong>na</strong>do <strong>de</strong> significados alusivos ao mundo das tarefas<br />

diárias, mais objetivamente, o mundo do trabalho; o lócus <strong>de</strong> enunciação da<br />

protagonista elabora uma superposição <strong>de</strong> imagens, as quais, se atentamente<br />

a<strong>na</strong>lisadas, configuram à idéia <strong>de</strong> hipertexto tão difundida <strong>na</strong> atualida<strong>de</strong>. Noutras<br />

palavras, t<strong>em</strong>os uma técnica <strong>de</strong> montag<strong>em</strong> <strong>de</strong> contextos, alusiva a um locus social<br />

cuja possível interpretação enseja a que se questione a <strong>de</strong>senfreada competição à<br />

qual se submete o hom<strong>em</strong> mo<strong>de</strong>rno <strong>na</strong> ânsia <strong>de</strong> cumprir o ritmo frenético <strong>de</strong> suas<br />

obrigações laborativas. Como conseqüência, <strong>em</strong> segundo plano, para dizer o<br />

mínimo, t<strong>em</strong>­se o engessamento do mundo sensível. Na tentativa <strong>de</strong> estabelecer<br />

uma conexão pautada <strong>na</strong> associação “unida<strong>de</strong> <strong>na</strong> diversida<strong>de</strong>” proporcio<strong>na</strong>da pelo<br />

contexto situacio<strong>na</strong>l <strong>em</strong> questão, po<strong>de</strong>r­se­ia concluir que, movido pelo espírito <strong>de</strong><br />

individualida<strong>de</strong>, o comportamento do ser humano acaba retroce<strong>de</strong>ndo aos valores<br />

ape<strong>na</strong>s perceptíveis <strong>na</strong> relação entre os animais. Veja­se: as galinhas não sabiam<br />

que seriam comidas pelos homens, mesmo que um dia estes também estejam<br />

pre<strong>de</strong>sti<strong>na</strong>dos a morrer; do mesmo modo, aquelas iriam se aproveitar da fragilida<strong>de</strong><br />

das minhocas e <strong>de</strong>vorá­las. Na ce<strong>na</strong> seguinte, a ascendência <strong>de</strong>ssa lógica<br />

racio<strong>na</strong>lista se confirma:<br />

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