06.05.2013 Views

a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

a leitura implícita <strong>na</strong> sua <strong>de</strong>rrocada, necessariamente, abstrairá as aspas que<br />

serviam para expressar quão ilusório era o mundo no qual ela vivia.<br />

Veja­se esta sequência:<br />

[...] Porque, sentada <strong>na</strong> cama, eu então me disse:<br />

Me <strong>de</strong>ram tudo, e olha só o que é tudo! é uma barata que é viva<br />

e que está à morte. E então olhei o trinco da porta. Depois olhei a<br />

ma<strong>de</strong>ira do guarda­roupa. Olhei o vidro da janela. Olha só o que é<br />

tudo: é um pedaço <strong>de</strong> coisa, é um pedaço <strong>de</strong> ferro, <strong>de</strong> saibro, <strong>de</strong><br />

vidro. Eu me disse: olha pelo que lutei, para ter exatamente o que<br />

eu já tinha antes, rastejei até as portas se abrir<strong>em</strong> para mim, as<br />

portas do tesouro que eu procurava: e olha o que era o tesouro! O<br />

tesouro era um pedaço <strong>de</strong> metal, era um pedaço <strong>de</strong> cal <strong>de</strong> pare<strong>de</strong>,<br />

era um pedaço <strong>de</strong> matéria feita <strong>em</strong> barata (LISPECTOR: 1998,<br />

136).<br />

Estabelecendo­se um contraponto com A paixão segundo G.H., no conto<br />

A bela e a fera ou a ferida gran<strong>de</strong> d<strong>em</strong>ais (1979) vamos encontrar uma vasta re<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> s<strong>em</strong>elhanças no que se refere à elaboração da imag<strong>em</strong> alegórica, conforme os<br />

pressupostos que venho tentando abordar, assunto ao qual ainda retor<strong>na</strong>r<strong>em</strong>os.<br />

Quanto à forma do relato, o processo enunciativo também segue as mesmas<br />

diretrizes a<strong>na</strong>lisadas anteriormente, excetuando­se o foco <strong>na</strong>rrativo, o qual<br />

apresenta um <strong>na</strong>rrador <strong>em</strong> terceira pessoa, entretanto, s<strong>em</strong> configurar o já discutido<br />

distanciamento estético n<strong>em</strong> mesmo a onisciência do sujeito <strong>na</strong>rrador. Esse aspecto,<br />

para o leitor habituado aos caminhos previsíveis a que levam a <strong>na</strong>rrativa do conto<br />

tradicio<strong>na</strong>l, possivelmente, o coloca <strong>em</strong> constante sobressalto com o andamento<br />

inconstante do texto, porquanto, inconstante também se apresenta o enunciado que<br />

configura sua estrutura inter<strong>na</strong>. Por outro lado, a frase que dá início à diegese do ato<br />

<strong>na</strong>rrativo, um abrupto e incisivo “Começa”, por si só, é dig<strong>na</strong> <strong>de</strong> ser a<strong>na</strong>lisada como<br />

algo probl<strong>em</strong>atizador da construção do processo enunciativo.<br />

Antes, repare­se <strong>na</strong> intencio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> contida <strong>na</strong> elaboração do título, o<br />

qual sublinha uma ressignificação da historinha homônima A bela e a fera, que<br />

r<strong>em</strong>ete ao universo infantil. A fabulação da autora ape<strong>na</strong>s se utiliza <strong>de</strong>ssa a<strong>na</strong>logia<br />

como pretexto para <strong>de</strong>smistificar a ilusão que se cria <strong>em</strong> torno do fetiche da<br />

aparência cultivada pela alie<strong>na</strong>da classe domi<strong>na</strong>nte, movida que é pelo consumo da<br />

imag<strong>em</strong>. Nesse sentido, ex<strong>em</strong>plar é a ce<strong>na</strong> <strong>na</strong> qual a perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong>, Carla, surge<br />

contrace<strong>na</strong>ndo com sua imag<strong>em</strong> refletida no espelho. Este, <strong>de</strong>volve­lhe a mesma<br />

63

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!