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a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

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<strong>de</strong> ser a<strong>na</strong>lisado como também pertencendo à socieda<strong>de</strong>, pois é do alto, portanto,<br />

do ângulo <strong>de</strong> uma posição privilegiada como se estivesse no pico <strong>de</strong> uma montanha<br />

(não seria a da pirâmi<strong>de</strong> social?) que ela cont<strong>em</strong>pla a per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista o cenário <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s, o qual é conseqüência da riqueza <strong>na</strong>s mãos <strong>de</strong> uma minoria. T<strong>em</strong>­<br />

se, assim, a representação <strong>de</strong> um opulento espaço resi<strong>de</strong>ncial enquanto contraparte<br />

da <strong>de</strong>gradação da miséria, posto que aquele era <strong>de</strong>sprovido <strong>de</strong> valor pessoal para a<br />

perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong>.<br />

Outra questão <strong>de</strong>ve ser colocada no contexto da análise do discurso da<br />

perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong>­<strong>na</strong>rradora: a <strong>na</strong>tureza simbólica subsumida <strong>na</strong> sua experiência com a<br />

<strong>em</strong>pregada, como também, toda uma gama <strong>de</strong> resíduos culturais perceptíveis <strong>na</strong><br />

visão <strong>de</strong> mundo sedimentada através do status quo <strong>de</strong> on<strong>de</strong> aquela é originária. Isso<br />

mais do que ressalta o espaço <strong>de</strong> contradição da literatura, quando se sabe que a<br />

trato neste estudo como uma construção simbólica. É nesta are<strong>na</strong> impreg<strong>na</strong>da <strong>de</strong><br />

valores autoritários, preconceituosos, arcaicos, r<strong>em</strong>anescentes <strong>de</strong> um período<br />

histórico supostamente ultrapassado que o conflito “patroa­<strong>em</strong>pregada” fará <strong>em</strong>ergir<br />

<strong>na</strong> ce<strong>na</strong> do texto duas formas <strong>de</strong> pensamento que, ao invés <strong>de</strong> se opor<strong>em</strong>,<br />

estabelec<strong>em</strong> uma relação <strong>de</strong> mutualida<strong>de</strong> <strong>na</strong>quilo que ambas representam <strong>em</strong><br />

termos <strong>de</strong> coexistência dialética. Antes, acho importante recuperar as ce<strong>na</strong>s <strong>na</strong>s<br />

quais a perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> tenta resgatar através da m<strong>em</strong>ória a fisionomia <strong>de</strong> Ja<strong>na</strong>ir, a<br />

qu<strong>em</strong> mal a conhecera. Repare­se como, através <strong>de</strong> uma linguag<strong>em</strong> acintosa,<br />

<strong>de</strong>srespeitosa, aos poucos a figura da <strong>em</strong>pregada <strong>em</strong>erge <strong>na</strong> ce<strong>na</strong> do texto. A<br />

imag<strong>em</strong> recomposta é a <strong>de</strong> um ser esparso, fugidio, revelando­se como uma<br />

figuração artística mal elaborada, um baixo relevo preso a uma tábua. A partir<br />

<strong>de</strong>ssa moldura, <strong>de</strong>senha­se <strong>na</strong> sua mente o retrato <strong>de</strong> uma mulher negra e<br />

insignificante, <strong>de</strong>sprotegida, s<strong>em</strong> auto­estima; traços <strong>de</strong>notados pela to<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> da<br />

pele pouco afirmativa, inibida, que mais parecia um <strong>de</strong> seus modos <strong>de</strong> se calar.<br />

Além disso, rainha impiedosamente <strong>de</strong>stituída dos atributos que tal adjetivação<br />

pu<strong>de</strong>sse lhe conferir, porquanto era <strong>de</strong>spojada <strong>de</strong> f<strong>em</strong>inilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> beleza<br />

esteticamente padronizada: o corpo erecto, <strong>de</strong>lgado, duro, liso, quase s<strong>em</strong><br />

carne, ausência <strong>de</strong> seios e <strong>de</strong> ancas.<br />

De forma agressiva, G.H i<strong>de</strong>aliza todos os <strong>de</strong>talhes necessários à<br />

completa limpeza do ambiente e, nesse sentido, não pouparia esforços.<br />

Quantida<strong>de</strong>s e mais quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> bal<strong>de</strong>s <strong>de</strong> água ume<strong>de</strong>ceriam aquele local até<br />

<strong>de</strong>stituí­lo da aparência <strong>de</strong> um <strong>de</strong>serto. Sintomaticamente, seus arroubos <strong>de</strong> fúria<br />

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