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a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

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amorosas, cuja ambientação mantinha encoberto o pano <strong>de</strong> fundo sob o qual se<br />

ocultavam as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais da corte, <strong>de</strong>ntre elas, principalmente, a nódoa<br />

escravista:<br />

Se o acontecimento, no seu sentido tradicio<strong>na</strong>l, é <strong>de</strong> difícil<br />

interpretação, o acontecimento <strong>de</strong>sconstruído é <strong>de</strong> difícil apreensão.<br />

O esforço da <strong>na</strong>rrativa ficcio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Clarice é o <strong>de</strong> surpreen<strong>de</strong>r com<br />

minúcia <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes o acontecimento <strong>de</strong>sconstruído. Ele é um quase<br />

<strong>na</strong>da que escapa e ganha corpo, é esculpido matreiramente pelos<br />

<strong>de</strong>dos da linguag<strong>em</strong>. A ficção oitocentista não soube como dar­lhe<br />

palavra <strong>de</strong>sconfiada, classificando­o <strong>de</strong> sentimental ou con<strong>de</strong>nável.<br />

Escreve Clarice: ‘E quero capturar o presente que pela sua própria<br />

<strong>na</strong>tureza me é interdito’ (SANTIAGO: 2004, 237).<br />

Desse modo, é inevitável que não se perceba <strong>na</strong> opinião do autor o<br />

<strong>de</strong>svio significativo do romance <strong>clarice</strong>ano <strong>em</strong> relação ao romance urbano. Acho que<br />

se po<strong>de</strong>ria até argumentar nos termos <strong>de</strong> uma reinvenção daquele mo<strong>de</strong>lo <strong>na</strong>rrativo,<br />

ao invés <strong>de</strong> um simples <strong>de</strong>svio. A própria teoria adornia<strong>na</strong> cont<strong>em</strong>pla essa<br />

discussão, porquanto se sabe que, no contexto <strong>de</strong> segundo plano, a percepção <strong>de</strong><br />

realida<strong>de</strong> é completamente distinta daquela que vigora nos padrões da<br />

verossimilhança observados <strong>na</strong> <strong>na</strong>rrativa <strong>de</strong> costumes. Seria o caso, também, <strong>de</strong><br />

argumentarmos <strong>em</strong> torno da mímesis <strong>de</strong> representação, esta, menos propensa à<br />

probl<strong>em</strong>atização do real, e da mímesis <strong>de</strong> produção. Ou seja, o momento <strong>em</strong> que o<br />

verossímil passa a ser ressignificado e, por conseguinte, projeta­se <strong>de</strong>finitivamente<br />

<strong>na</strong>s fronteiras do ficcio<strong>na</strong>l, conforme Costa Lima (2003).<br />

Tamanha limitação para transfigurar o real levou Antonio Candido (2006) a<br />

perceber <strong>na</strong> obra <strong>de</strong> um dos nomes mais i<strong>de</strong>ntificados com esse período – Joaquim<br />

Manoel <strong>de</strong> Macedo – uma <strong>de</strong>smesurada preocupação para circunscrever no plano<br />

<strong>de</strong> suas <strong>na</strong>rrativas um certo “realismo miúdo”, expressão com a qual o crítico faz<br />

referência ao procedimento <strong>na</strong>rrativo adotado pelo autor com relação ao plano<br />

<strong>na</strong>rrativo <strong>de</strong> romances como O moço loiro e A moreninha. A pertinência da<br />

adjetivação diz respeito à visão <strong>de</strong> curto alcance com que Macedo focalizou os<br />

hábitos e costumes da então socieda<strong>de</strong> fluminense do século XIX. A esse respeito,<br />

Candido comenta:<br />

A fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> ao real leva Macedo a alicerçar as suas ingênuas<br />

intrigas sentimentais com fundamentos b<strong>em</strong> assentados no<br />

interesse econômico, e a <strong>de</strong>screver a estratégia masculi<strong>na</strong> do ponto<br />

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