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a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

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G.H. ao quarto da <strong>em</strong>pregada e sua posterior auto<strong>de</strong>scoberta, apresentava como<br />

obstáculo a passag<strong>em</strong> pela barata, com a qual contrace<strong>na</strong> presentificando a imag<strong>em</strong><br />

da <strong>em</strong>pregada ausente. De modo s<strong>em</strong>elhante, vendo­se transformado <strong>na</strong> grotesca<br />

figura <strong>de</strong> um inseto, Gregor Samsa reavalia todos os valores da classe pequeno­<br />

burguesa a que pertence sua família e, por extensão, o mundo do trabalho do qual<br />

ele participava. Desse momento <strong>em</strong> diante, o seu conflitivo autoquestio<strong>na</strong>mento<br />

transfere­se para o modo com o qual o texto é <strong>na</strong>rrado. Não existe previsibilida<strong>de</strong> <strong>na</strong><br />

construção do relato, até porque, as ações são filtradas a partir da <strong>consciência</strong> do<br />

perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> a qu<strong>em</strong> o <strong>na</strong>rrador t<strong>em</strong> acesso, mas <strong>na</strong>da sabe acerca daquele. Isso o<br />

<strong>de</strong>sautoriza a fazer um relato <strong>de</strong> <strong>na</strong>tureza psicologizante. T<strong>em</strong>­se, assim, uma<br />

estrutura fragmentária <strong>em</strong> que as partes do todo compositivo dialogam entre si,<br />

configurando a unida<strong>de</strong> <strong>na</strong> diversida<strong>de</strong>. Logicamente, não se trata <strong>de</strong> um monólogo<br />

interior <strong>na</strong> mesma concepção daquele que se observa <strong>em</strong> A paixão segundo G.H.<br />

Por conseguinte, não se percebe <strong>na</strong> Metamorfose a mesma urdidura <strong>na</strong>rrativa do<br />

romance <strong>de</strong> Lispector.<br />

Se é verda<strong>de</strong>, como afirma Carone (2009), que um dos principais eixos do<br />

romance resi<strong>de</strong> <strong>na</strong> falta <strong>de</strong> comunicabilida<strong>de</strong> entre as pessoas, daí o regime <strong>de</strong><br />

exclusão a que o perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> é submetido, tão logo se opera sua metamorfose,<br />

acredito que não seria menos factível atribuir ao comportamento <strong>de</strong> todos aqueles<br />

com os quais mantém contato os predicados inerentes a própria lógica <strong>de</strong> uma<br />

socieda<strong>de</strong> movida por interesses que colocam o ser humano como um simples<br />

apêndice do verniz lustroso que encobre as aparências. No caso do perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong>,<br />

sua família usufruia dos seus ganhos fi<strong>na</strong>nceiros obtidos à custa <strong>de</strong> muito sacrifício.<br />

Nesse sentido, o silêncio a que a existência <strong>de</strong> Gregor se reduz merece ser<br />

interpretado como resultado <strong>de</strong> sua metamorfose. Intersectando­se a fantasmagoria<br />

do perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> com os preceitos alegóricos benjaminianos elaborados <strong>em</strong> outro<br />

momento <strong>de</strong>ste estudo, estamos <strong>em</strong> consonância com uma m<strong>em</strong>ória ruinosa. Aqui,<br />

é o <strong>na</strong>rrador que se encarrega <strong>de</strong> presentificar o sonho vivido por Gregor Samsa. A<br />

figura <strong>de</strong> um caixeiro viajante reduzido ao insignificante papel <strong>de</strong> cumpridor <strong>de</strong><br />

tarefas reificadoras. Encerrado nos subterrâneos do seu mutismo grotesco, ao<br />

contrace<strong>na</strong>r com um inseto, ele vê <strong>de</strong>sfilar diante <strong>de</strong> si as perso<strong>na</strong>s <strong>de</strong> um universo<br />

muito distante daquilo que s<strong>em</strong>pre creditara valor <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>. Nessa perspectiva,<br />

não é Gregor qu<strong>em</strong> está doente, o mal que sobre ele se abate é uma metáfora da<br />

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