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a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

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encurtamento da distância é mandamento da própria forma, um dos meios mais<br />

eficazes para furar o contexto <strong>de</strong> primeiro plano e expressar o que lhe é subjacente,<br />

a negativida<strong>de</strong> do positivo” (ADORNO: 1983, 272).<br />

Enquanto insólito ato discursivo, dir­se­ia que a <strong>na</strong>rrativa da autora nos<br />

coloca frente a um autoquestio<strong>na</strong>mento – o da perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> – cujo núcleo<br />

probl<strong>em</strong>atizador não é compreensível s<strong>em</strong> que para isso se estabeleça uma leitura<br />

subtextual do conflito vivenciado por ela, a partir do momento <strong>em</strong> que se <strong>de</strong>scobre<br />

no <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho do papel <strong>de</strong> figuração alie<strong>na</strong>da do establishment do qual fazia parte.<br />

A<strong>na</strong>lisando­se o perfil heg<strong>em</strong>ônico da perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong>, sabe­se que ela pertence a uma<br />

elite endinheirada, obcecada pela acumulação do capital valendo­se <strong>de</strong>ste como<br />

instrumento <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r no seio da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> classes.<br />

[...] Pelo prazer por um coesão harmoniosa, pelo prazer avaro e<br />

permanent<strong>em</strong>ente promissor <strong>de</strong> ter mas não gastar eu não<br />

precisava do clímax ou da revolução ou <strong>de</strong> mais do que o pré­amor,<br />

que é tão mais feliz que amor. A promessa me bastava? Uma<br />

promessa me bastava [...]. Ser continuamente livre também era<br />

ajudado pela minha <strong>na</strong>tureza que é fácil: como e bebo e durmo fácil.<br />

E também, é claro, minha liberda<strong>de</strong> vinha <strong>de</strong> eu ser fi<strong>na</strong>nceiramente<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte (LISPECTOR: 1998:28­29).<br />

Ao longo do t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que exercera a profissão <strong>de</strong> escultora, ela<br />

conseguiu amealhar gran<strong>de</strong> fortu<strong>na</strong>, predicado que se converte <strong>em</strong> uma<br />

ambigüida<strong>de</strong>: a posse do dinheiro possibilita­lhe viver <strong>na</strong> ociosida<strong>de</strong>, mas <strong>de</strong>svela<br />

sua condição <strong>de</strong> avarenta concentradora <strong>de</strong> renda. Repare­se nesta imag<strong>em</strong>:<br />

Levantei­me enfim da mesa do café, essa mulher. Não ter <strong>na</strong>quele<br />

dia nenhuma <strong>em</strong>pregada iria me dar o tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> que eu<br />

queria: o <strong>de</strong> arrumar. S<strong>em</strong>pre gostei <strong>de</strong> arrumar. Suponho que esta<br />

seja a minha única vocação verda<strong>de</strong>ira. Or<strong>de</strong><strong>na</strong>ndo as coisas, eu<br />

crio e entendo ao mesmo t<strong>em</strong>po. Mas tendo aos poucos, por meio<br />

<strong>de</strong> dinheiro razoavelmente b<strong>em</strong> investido, enriquecido o suficiente,<br />

isso impediu­me <strong>de</strong> usar essa minha vocação: não pertencesse eu<br />

por dinheiro e por cultura à classe a que pertenço, e teria<br />

normalmente tido o <strong>em</strong>prego <strong>de</strong> arruma<strong>de</strong>ira numa gran<strong>de</strong> casa <strong>de</strong><br />

ricos, on<strong>de</strong> há muito o que arrumar. Arrumar é achar a melhor<br />

forma. Tivesse sido eu <strong>em</strong>pregada arruma<strong>de</strong>ira, e n<strong>em</strong> sequer teria<br />

precisado do amadorismo da escultura; se com minhas mãos eu<br />

tivesse podido largamente arrumar. Arrumar a forma? (LISPECTOR:<br />

1998, 33)<br />

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