06.05.2013 Views

a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

a consciência em crise na narrativa de clarice lispector

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

traçara para a arrumação. A topografia do ambiente era imprevisível, fim e começo<br />

se confundiam numa única direção. O aposento “Era <strong>de</strong> um igual que o tor<strong>na</strong>va<br />

in<strong>de</strong>limitado”(LISPECTOR: 1998, 45). Aqui, novamente, ressurge a homologia com<br />

a circularida<strong>de</strong> da <strong>na</strong>rrativa, já apontada anteriormente.<br />

O clima <strong>de</strong> disputa pessoal da patroa para com a <strong>em</strong>pregada sublinhava<br />

um indisfarçável sentimento <strong>de</strong> disputa <strong>de</strong> classe. Esta possibilida<strong>de</strong> apresenta­se<br />

como plausível <strong>na</strong> textualida<strong>de</strong> da <strong>na</strong>rrativa, quando a perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> matar a<br />

barata esmagando­a por entre a porta do guarda­roupa.<br />

[...] Que fizera eu?<br />

Já então eu talvez soubesse que não me referia ao que eu fizera à<br />

barata ,mas sim a que fizera eu <strong>de</strong> mim?<br />

É que nesses instantes, <strong>de</strong> olhos fechados, eu tomava <strong>consciência</strong><br />

<strong>de</strong> mim como se toma <strong>consciência</strong> <strong>de</strong> um sabor: eu toda estava com<br />

sabor <strong>de</strong> aço e azinhavre, eu toda era ácida como um metal <strong>na</strong><br />

língua, como planta ver<strong>de</strong> esmagada, meu sabor me veio todo à<br />

boca. Que fizera eu <strong>de</strong> mim? Com o coração batendo, as têmporas<br />

pulsando, eu fizera <strong>de</strong> mim isto: eu matara. Eu matara! [...]<br />

Não, não se tratava disso. A pergunta era: o que matara eu?<br />

(LISPECTOR: 1998, 53­54).<br />

Confessadamente, ela não cabia <strong>em</strong> si <strong>de</strong> prazer pela violência do ato que<br />

praticara. Paralelamente, a repercussão do episódio cont<strong>em</strong>plava o <strong>de</strong>snudamento<br />

dos seus falsos valores recalcados. Tanto é assim que se imagi<strong>na</strong>va <strong>na</strong> mesma<br />

posição <strong>de</strong> vítima dos golpes <strong>de</strong>sfechados contra o reles inseto. “Ainda faltava,<br />

então, um golpe fi<strong>na</strong>l. Um golpe a mais? Eu não a olhava, mas me repetia que um<br />

golpe ainda me era necessário [...]” (LISPECTOR: 1998, 54­55). Descrita por G.H., a<br />

figura da barata correspon<strong>de</strong> a uma visão zoomorfizada <strong>de</strong> Ja<strong>na</strong>ir, <strong>de</strong> modo que a<br />

aparência física <strong>de</strong> ambas se confun<strong>de</strong>:<br />

A barata não t<strong>em</strong> <strong>na</strong>riz. Olhei­a, com aquela sua boca e seus olhos:<br />

parecia uma mulata à morte. Mas os olhos eram radiosos e negros.<br />

Olhos <strong>de</strong> noiva. Cada olho <strong>em</strong> si mesmo parecia uma barata. O olho<br />

franjado, escuro, vivo e <strong>de</strong>s<strong>em</strong>poeirado. E o outro olho igual. Duas<br />

baratas encrustadas <strong>na</strong> barata, e cada olho reproduzia a barata<br />

inteira (LISPECTOR: 1998, 53).<br />

Por a<strong>na</strong>logia, ela também se percebe como um ser refletido <strong>na</strong> imag<strong>em</strong> da barata.<br />

Confira­se esta passag<strong>em</strong>: “Eu, corpo neutro <strong>de</strong> barata, eu com uma vida que<br />

33

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!