28.08.2013 Views

35754-Revista FCDEF - Faculdade de Desporto da Universidade do ...

35754-Revista FCDEF - Faculdade de Desporto da Universidade do ...

35754-Revista FCDEF - Faculdade de Desporto da Universidade do ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

74<br />

ORADORES CONVIDADOS<br />

gran<strong>de</strong> evento <strong>de</strong>sportivo como foram os Jogos Olímpicos 6 . No<br />

entanto, a candi<strong>da</strong>tura à realização <strong>de</strong> uns Jogos Olímpicos não<br />

po<strong>de</strong> ser abor<strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>da</strong> maneira leviana que tem si<strong>do</strong> em<br />

Portugal, só para se obterem “efeitos <strong>de</strong> anúncio” 7 , na medi<strong>da</strong><br />

em que têm si<strong>do</strong> realiza<strong>da</strong>s sem ser consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>, até à exaustão,<br />

a relação custo/benefício <strong>de</strong> tal empreendimento, quan<strong>do</strong><br />

estão em causa o dispêndio <strong>de</strong> avulta<strong>do</strong>s recursos sem garantia<br />

<strong>de</strong> retorno.<br />

O <strong>de</strong>senvolvimento, ao traduzir-se, em última análise, no <strong>de</strong>sejo<br />

<strong>de</strong> encontrar soluções justas, razoáveis e racionais <strong>do</strong> ponto<br />

<strong>de</strong> vista educativo, político, económico ou social, justifica o<br />

estu<strong>do</strong> e investigação <strong>do</strong> <strong>de</strong>sporto, para além <strong>do</strong>s circunstancialismos<br />

<strong>do</strong> dia a dia, <strong>do</strong>s campeonatos nacionais, ou <strong>da</strong>s famigera<strong>da</strong>s<br />

“galas” <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> con<strong>de</strong>corações, que acabam por<br />

não resolver os problemas <strong>da</strong> base <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong>sportivo. Só<br />

assim será possível ultrapassar as meras questões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />

limita<strong>da</strong> ou sectorial, <strong>de</strong> forma a começar-se a enten<strong>de</strong>r to<strong>do</strong> o<br />

fenómeno <strong>de</strong>sportivo nas mais diversas vertentes, entre elas as<br />

que têm a ver com a utilização <strong>do</strong> tempo livre, que ca<strong>da</strong> vez<br />

mais passará a organizar a dinâmica <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> social.<br />

O tempo <strong>de</strong> trabalho e as oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> emprego vão continuar<br />

a <strong>de</strong>crescer, pelo que as pessoas ca<strong>da</strong> vez terão mais<br />

tempo livre. Em consequência, a organização social, ao contrário<br />

<strong>da</strong>quilo que aconteceu na dinâmica <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> industrial,<br />

terá <strong>de</strong> começar a ser consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>, ten<strong>do</strong> em conta o tempo<br />

livre que a generali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> população tem disponível e não<br />

através <strong>do</strong> tempo comprometi<strong>do</strong> com o trabalho. Nestas circunstâncias,<br />

é necessário educar as novas gerações para, no<br />

futuro, saberem usufruir <strong>do</strong> tempo livre que terão à sua disposição,<br />

que será em volumes ca<strong>da</strong> vez maiores. Assim, a gestão<br />

<strong>do</strong> tempo <strong>de</strong> lazer através <strong>do</strong> <strong>de</strong>sporto está a transformar-se<br />

numa questão crucial no quadro <strong>da</strong>s preocupações sociais <strong>do</strong>s<br />

nossos dias.<br />

Sen<strong>do</strong> o <strong>de</strong>sporto, uma <strong>da</strong>s vertentes mais fortes <strong>da</strong> cultura<br />

popular <strong>do</strong> nosso tempo 8 , que representa um conjunto <strong>de</strong> valores<br />

inestimáveis que são um repositório <strong>da</strong> memória colectiva<br />

<strong>da</strong> Humani<strong>da</strong><strong>de</strong>, não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> estar perfeitamente integra<strong>do</strong><br />

no processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento económico e social <strong>do</strong>s<br />

países, pelo que tem também <strong>de</strong> ser estu<strong>da</strong><strong>do</strong> para que a sua<br />

gestão <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> funcionar por impulsos mais ou menos voluntariosos,<br />

que não o conduzem a la<strong>do</strong> nenhum.<br />

2. O que é o <strong>de</strong>senvolvimento?<br />

O conceito <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ve ser entendi<strong>do</strong> numa perspectiva<br />

global, quer dizer, como um processo que visa a melhoria<br />

<strong>da</strong>s condições <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s populações. Nestas circunstâncias,<br />

o <strong>de</strong>sporto é um instrumento a ser utiliza<strong>do</strong> em termos<br />

políticos em benefício <strong>da</strong>s pessoas. Daqui resulta que o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

não tem por objectivo exclusivo satisfazer as necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

materiais <strong>do</strong> Homem mas, sobretu<strong>do</strong>, melhorar as suas<br />

condições <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> e contribuir para as suas aspirações em geral.<br />

Por isso, é um conceito <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m qualitativa, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

no qual está integra<strong>do</strong> o <strong>de</strong>sporto e as suas práticas,<br />

como componentes fun<strong>da</strong>mentais, na construção <strong>da</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s populações e o seu inalienável direito à educação, à<br />

saú<strong>de</strong>, à cultura, ao lazer e à felici<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Consequentemente, o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ve representar uma<br />

<strong>de</strong>termina<strong>da</strong> i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> uma <strong>da</strong><strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> social,<br />

pelo que obriga à <strong>de</strong>finição <strong>do</strong> tipo <strong>de</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> que se procura<br />

construir. Pressupõe progresso social no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

melhor, que tem por objectivos alcançar fins que transcen<strong>de</strong>m<br />

o económico, na medi<strong>da</strong> em que servem a justiça<br />

<strong>Revista</strong> Portuguesa <strong>de</strong> Ciências <strong>do</strong> <strong>Desporto</strong>, 2004, vol. 4, nº 2 (suplemento) [15–102]<br />

social, a educação, a saú<strong>de</strong>, a cultura ou o <strong>de</strong>sporto. Em conformi<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

um processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ve ser capaz <strong>de</strong><br />

respeitar as capaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s e competências individuais, proporcionan<strong>do</strong><br />

às pessoas, tanto <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s centros como <strong>da</strong>s periferias,<br />

o acesso aos bens e aos serviços. Deve garantir a to<strong>do</strong>s as<br />

oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s para satisfação <strong>da</strong>s suas necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se<br />

também nestas as necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> cultura, <strong>de</strong> lazer e <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sporto.<br />

No que diz respeito ao <strong>de</strong>sporto em Portugal, o direito à sua<br />

prática está consigna<strong>do</strong> no artigo 79º <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong><br />

República Portuguesa 9 . Embora este direito esteja consigna<strong>do</strong><br />

na constituição, sabemos quanto é difícil transpô-lo para a prática,<br />

já que se levantam enormes e varia<strong>do</strong>s problemas ao seu<br />

cumprimento. Isto porque o <strong>de</strong>sporto não se produz no vácuo,<br />

quer dizer, à margem <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> on<strong>de</strong> está inseri<strong>do</strong>, e, por<br />

isso, é confronta<strong>do</strong> com outros subsistemas sociais, alguns<br />

<strong>de</strong>les até com um grau <strong>de</strong> priori<strong>da</strong><strong>de</strong> superior. No entanto,<br />

também <strong>de</strong>ve ser entendi<strong>do</strong> que a importância progressiva que<br />

o <strong>de</strong>sporto vem assumin<strong>do</strong> na vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s populações <strong>de</strong>termina<br />

que o acesso às suas práticas constitua, só por si, um índice <strong>de</strong><br />

quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>, <strong>de</strong>terminante <strong>do</strong> “bem-estar económico<br />

líqui<strong>do</strong>” (Samuelson, 1981) <strong>da</strong>s populações 10 . Deste mo<strong>do</strong>, o<br />

processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> <strong>de</strong>sporto tem <strong>de</strong> estar em conformi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

com o processo <strong>de</strong>senvolvimento social <strong>de</strong> um país,<br />

sob pena <strong>de</strong> se transformar em mais um factor promotor <strong>de</strong><br />

assimetrias e dispari<strong>da</strong><strong>de</strong>s sociais. Veja-se a este propósito a<br />

questão <strong>da</strong> realização <strong>do</strong> Euro 2004 em Portugal. De facto, não<br />

se percebe como é possível que os dirigentes políticos e <strong>de</strong>sportivos<br />

<strong>do</strong> país tenham avança<strong>do</strong> para a candi<strong>da</strong>tura à realização<br />

<strong>de</strong> tal evento <strong>de</strong>sportivo, sem que estivessem garanti<strong>da</strong>s as<br />

condições mínimas necessárias, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo o estu<strong>do</strong> <strong>da</strong> viabili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> tal evento no quadro <strong>da</strong> situação económica, social e<br />

<strong>de</strong>sportiva <strong>do</strong> País 11 . Foram construí<strong>do</strong>s <strong>de</strong>z estádios <strong>de</strong> futebol,<br />

que no futuro vão ter uma utilização muito limita<strong>da</strong>, quan<strong>do</strong><br />

segmentos significativos <strong>da</strong> população não têm acesso ao<br />

<strong>de</strong>sporto, para já não referirmos uma casa <strong>de</strong>cente para habitar.<br />

Note-se que quan<strong>do</strong> se diz que o Euro 2004 levará a imagem <strong>de</strong><br />

Portugal a to<strong>do</strong>s os cantos <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> é necessário perceber que<br />

tipo <strong>de</strong> imagem será leva<strong>da</strong>.<br />

Nesta perspectiva, seria bom que se compreen<strong>de</strong>sse que o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento, mesmo sen<strong>do</strong> o <strong>do</strong> <strong>de</strong>sporto, tem <strong>de</strong> ser um<br />

“processo amigável” que não po<strong>de</strong> conflituar com os sentimentos<br />

e as ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong>s populações. É esta a i<strong>de</strong>ia<br />

acerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento que o Prémio Nobel <strong>da</strong> economia<br />

<strong>do</strong> ano <strong>de</strong> 1998, Amartya Sen (1999) 12 , abor<strong>da</strong>. Para ele, o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento humano tem <strong>de</strong> ser visto como um processo<br />

amigável, - friendly process - que <strong>de</strong>ve estar intimamente relaciona<strong>do</strong><br />

com a expansão <strong>da</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> para usufruto <strong>da</strong>s pessoas.<br />

Esta expansão liberta<strong>do</strong>ra tem um duplo significa<strong>do</strong>, na medi<strong>da</strong><br />

em que po<strong>de</strong> ser vista como: (1) um fim prioritário, ou (2) o<br />

principal meio. Portanto, o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> <strong>de</strong>sporto, quer<br />

ele seja promovi<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong> ou pelo merca<strong>do</strong>, só po<strong>de</strong> ser<br />

um processo amigável se for um fim e um meio ao serviço <strong>da</strong><br />

quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> generali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s pessoas.<br />

A partir <strong>de</strong> finais <strong>do</strong>s anos cinquenta até mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s anos<br />

oitenta, o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> <strong>de</strong>sporto adquiriu<br />

uma importância em crescen<strong>do</strong> nas preocupações <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.<br />

Contu<strong>do</strong>, com o fim <strong>do</strong> “esta<strong>do</strong> providência” 13 , a partir <strong>do</strong>s<br />

anos oitenta, o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> <strong>de</strong>sporto passou a ser reequaciona<strong>do</strong><br />

a partir <strong>da</strong>s dinâmicas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> civil. Esta <strong>de</strong>slocação<br />

<strong>do</strong> fulcro <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sportivo veio <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar<br />

profun<strong>do</strong>s <strong>de</strong>sequilíbrios, na medi<strong>da</strong> em que, em múlti-

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!