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35754-Revista FCDEF - Faculdade de Desporto da Universidade do ...

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96<br />

ORADORES CONVIDADOS<br />

A ética e o jornalismo <strong>de</strong>sportivo, que eu prefiro traduzir, por<br />

conveniência <strong>de</strong> objectivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicação, como a ética no<br />

jornalismo <strong>de</strong>sportivo é, hoje, uma matéria viscosa. Sugere-nos<br />

uma inevitabili<strong>da</strong><strong>de</strong> pegajosa entre a questão <strong>da</strong> ética <strong>do</strong> jornalismo<br />

e a ética <strong>do</strong> <strong>de</strong>sporto. No fun<strong>do</strong>, sugere-nos a dúvi<strong>da</strong><br />

imprecisa sobre se é ou não possível ter ética no jornalismo <strong>de</strong><br />

um <strong>de</strong>sporto sem ética, ou se é possível que haja um <strong>de</strong>sporto<br />

com ética, visto e conta<strong>do</strong> por um jornalismo sem ética.<br />

Pior ain<strong>da</strong>: a questão que rapi<strong>da</strong>mente se torna essencial é a <strong>de</strong><br />

sabermos se a ética no jornalismo <strong>de</strong> hoje, e fixemo-nos no jornalismo<br />

<strong>da</strong> área <strong>do</strong> <strong>de</strong>sporto por respeito à proposta que me foi<br />

feita, po<strong>de</strong> coexistir sem embaraço e sem contradição com uma<br />

política editorial <strong>de</strong> sucesso, que implica vencer no confronto<br />

concorrencial violento, que implica não se <strong>de</strong>ixar subverter,<br />

apesar <strong>da</strong> força <strong>de</strong>vasta<strong>do</strong>ra <strong>da</strong> globalização <strong>da</strong> informação, que<br />

implica impor princípios e valores culturais, numa indústria <strong>de</strong><br />

critérios essencialmente monetaristas.<br />

Deixem-me ser mais específico, à luz <strong>de</strong> episódios concretos e reais,<br />

permitin<strong>do</strong>-me, naturalmente, não i<strong>de</strong>ntificar as personagens.<br />

Por uma <strong>de</strong>sses acasos <strong>da</strong> fortuna, chegou à re<strong>da</strong>cção <strong>de</strong> A<br />

BOLA a notícia <strong>do</strong> nome <strong>do</strong> mais que provável treina<strong>do</strong>r <strong>de</strong><br />

futebol <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> clube português. Como se sabe, os chama<strong>do</strong>s<br />

três gran<strong>de</strong>s mu<strong>da</strong>ram, este ano, <strong>de</strong> técnico principal e<br />

antes <strong>da</strong> confirmação <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> caso, to<strong>do</strong>s os jornais procuraram<br />

a informação em primeira mão. Desta vez, a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rmos <strong>da</strong>r a notícia correcta era superior a noventa por<br />

cento. Havia uma pequena hipótese <strong>de</strong> falhar e só havia uma<br />

maneira <strong>de</strong> o saber. Cumprir a ética <strong>do</strong> jornalismo e confrontar<br />

os responsáveis máximos <strong>de</strong>sse clube com a notícia que pretendíamos<br />

publicar. Foi o que fizemos. A reacção foi embaraçosa,<br />

um <strong>de</strong>smenti<strong>do</strong> não formal, uma frase mistifica<strong>do</strong>ra:<br />

“não há nenhum treina<strong>do</strong>r que possa ser confirma<strong>do</strong>, antes <strong>de</strong><br />

assinar o contrato” - disseram-nos. Anunciámos a <strong>de</strong>cisão.<br />

Daríamos o nome <strong>do</strong> técnico e completaríamos a notícia com<br />

essa afirmação oficial. Silêncio <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong>. Cinco minutos<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>sligarmos, recebemos um telefonema <strong>do</strong> mais alto<br />

responsável <strong>de</strong>sse clube. “Uma vez que tinha havi<strong>do</strong> uma fuga<br />

<strong>de</strong> informação – justificava – vinha afirmar <strong>do</strong>is pontos: primeiro,<br />

era ver<strong>da</strong><strong>de</strong> que seria esse o treina<strong>do</strong>r; segun<strong>do</strong>, o seu<br />

nome iria ser imediatamente coloca<strong>do</strong> no site <strong>do</strong> clube para<br />

que to<strong>do</strong>s pu<strong>de</strong>ssem <strong>da</strong>r a notícia que só um órgão <strong>de</strong> informação<br />

conhecia”.<br />

Estes foram os factos. A consequência é que to<strong>do</strong>s, realmente,<br />

<strong>de</strong>ram a notícia. As rádios e as televisões, em primeiro lugar, e<br />

no meu jornal to<strong>do</strong>s os jornalistas que sabiam como tu<strong>do</strong> se<br />

tinham passa<strong>do</strong> juravam que nunca mais, em tais circunstâncias,<br />

voltariam a cruzar informação e preferiam, em caso <strong>de</strong> alta<br />

probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> acertarem, arriscar a informação sem confirmação<br />

oficial.<br />

Outro caso, não menos curioso e interessante.<br />

Combinei uma reunião com um alto responsável <strong>de</strong> um clube.<br />

Percebia que havia um favorecimento claro <strong>de</strong> informação em<br />

relação a um outro jornal. Quis saber porquê. A conversa foi<br />

longa, mas altamente esclarece<strong>do</strong>ra. Para um administra<strong>do</strong>r <strong>de</strong><br />

uma SAD era pois essencial enten<strong>de</strong>r, com clareza, quais eram<br />

os melhores parceiros estratégicos e quais eram os melhores<br />

parceiros económicos, sen<strong>do</strong> que um parceiro económico <strong>de</strong><br />

vulto se sobrepunha, mesmo, a um parceiro estratégico em<br />

matéria <strong>de</strong> política <strong>de</strong> informação <strong>do</strong> clube. No fun<strong>do</strong>, quem<br />

era parceiro no negócio tinha <strong>de</strong> ser privilegia<strong>do</strong>. Não se tratava<br />

<strong>de</strong> uma troca <strong>de</strong> favores – explicavam-me – mas <strong>de</strong> negócio<br />

puro e duro, que os tempos não estavam para romantismos. As<br />

<strong>Revista</strong> Portuguesa <strong>de</strong> Ciências <strong>do</strong> <strong>Desporto</strong>, 2004, vol. 4, nº 2 (suplemento) [15–102]<br />

fontes <strong>de</strong> informação e a informação privilegia<strong>da</strong> faziam parte<br />

<strong>do</strong> negócio, amplo e generoso.<br />

Por fim, para não chegar a ser impertinente na paciência que<br />

vos tomo, um terceiro caso.<br />

Um antigo alto dirigente <strong>de</strong> um clube combinou comigo um<br />

encontro, pouco <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter toma<strong>do</strong> posse. A sua visão <strong>da</strong><br />

problemática <strong>da</strong>s relações institucionais entre o seu clube e o<br />

meu jornal, que ele curiosamente consi<strong>de</strong>rava o “seu jornal <strong>de</strong><br />

sempre”, era linear. “Você percebe – dizia-me em tom <strong>de</strong> amigo<br />

<strong>de</strong> longa <strong>da</strong>ta – o negócio, no fun<strong>do</strong>, é o mesmo. O meu e o<br />

seu. Você dá no seu jornal a informação que nos convém, nós<br />

<strong>da</strong>mos ao seu jornal a informação que vos convém e que marcará<br />

a diferença para to<strong>do</strong>s os outros”.<br />

Levantei-me e saí, pedin<strong>do</strong> <strong>de</strong>sculpa pelo engano <strong>de</strong> ali estar.<br />

Ao longo <strong>de</strong> muito tempo A BOLA enfrentou, estoicamente,<br />

um <strong>do</strong>s maiores boicotes informativos que alguma vez foi feito<br />

por um clube; entretanto, outro jornal concorrente, não sei se<br />

substituin<strong>do</strong>-nos, ou não, naquele acor<strong>do</strong> infame, <strong>da</strong>va notícias<br />

a que não podíamos ter acesso. Os reflexos no merca<strong>do</strong> chegaram,<br />

nessa altura, a ser notórios.<br />

Apesar <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, nós sobrevivemos. Esse dirigente, não.<br />

Po<strong>de</strong>rão dizer-me que a história, então, acaba em bem. É ver<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

que sim, mas não me parece que altere muito a reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>da</strong>s coisas. Muitos jornalistas, diria talvez melhor, uma parte<br />

significativa <strong>de</strong> responsáveis editoriais <strong>de</strong> órgãos <strong>de</strong> informação<br />

– e englobo, proposita<strong>da</strong>mente, jornais, rádios, televisão, agências,<br />

informação on-line - se não tiverem <strong>de</strong> se pronunciar em<br />

público, on<strong>de</strong> provavelmente diriam o politicamente correcto,<br />

acharão que eu fui simplesmente um ingénuo, alguns po<strong>de</strong>rão<br />

até admitir-me na categoria <strong>do</strong>s bons rapazes, raros serão os<br />

que não <strong>de</strong>ixarão <strong>de</strong> pensar: “sorte a <strong>de</strong>le, não estivesse num<br />

jornal in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, livre <strong>da</strong> pressão <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> grupo <strong>de</strong><br />

comunicação, <strong>de</strong>sliga<strong>do</strong> <strong>de</strong> interesses tutelares <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res económicos,<br />

ou outros, e gostaria <strong>de</strong> ver se agiria assim”.<br />

Falei-lhes <strong>de</strong> três simples casos, entre muitos outros, que são<br />

casos reais. Não se trata, aqui, <strong>de</strong> ficção, não se trata <strong>de</strong><br />

romancear o tema para ganhar impacto. Trata-se <strong>de</strong> chamar a<br />

atenção para aspectos <strong>de</strong> uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> social que protege, em<br />

to<strong>do</strong>s os sectores <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, os mais submissos, os que se limitam<br />

a jogar segun<strong>do</strong> as regras <strong>do</strong> jogo e por isso a to<strong>do</strong>s nos<br />

con<strong>de</strong>nam à mediocri<strong>da</strong><strong>de</strong> vigente, em tantas e tantas áreas <strong>da</strong><br />

vi<strong>da</strong> portuguesa.<br />

A questão <strong>da</strong> ética nas socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas, tal como a questão<br />

<strong>da</strong> protecção <strong>do</strong>s lobbies <strong>de</strong> interesses, tal como a questão<br />

<strong>da</strong> marginalização <strong>da</strong>s competências in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, tal como a<br />

questão <strong>da</strong> valorização <strong>da</strong>s fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s caninas em <strong>de</strong>trimento<br />

<strong>da</strong>s leal<strong>da</strong><strong>de</strong>s consequentes, tal como a questão <strong>da</strong> arrogância<br />

<strong>do</strong> po<strong>de</strong>r, tal como a natureza economicista adjacente a uma<br />

equívoca visão <strong>do</strong> progresso, tal como a exibição <strong>de</strong> uma imagem<br />

transformista, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o merca<strong>do</strong> que se preten<strong>de</strong><br />

agra<strong>da</strong>r, tal como a não implicação <strong>de</strong> valores <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> nos objectivos<br />

essenciais a atingir, to<strong>da</strong>s estas e muitas outras questões<br />

são, hoje, universais e tornam-nos, a to<strong>do</strong>s, aqui ou ali, cúmplices<br />

<strong>do</strong> país e <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> que somos.<br />

Dei-lhes três simples casos. Dos mais recentes, neste tempo já<br />

longo e <strong>de</strong>sgastante em que li<strong>de</strong>ro uma política editorial que<br />

procura ser coerente com uma História e com uma personali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

vinca<strong>da</strong> <strong>de</strong> uma enti<strong>da</strong><strong>de</strong> física que se chama A BOLA.<br />

Mas acreditem que, por difíceis que pareçam, as minhas<br />

opções são as mais fáceis. Ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente difíceis são as<br />

opções, incluin<strong>do</strong> as que se cruzam com a questão <strong>da</strong> ética no<br />

jornalismo, <strong>do</strong>s jornalistas que estão no terreno, que traba-

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