35754-Revista FCDEF - Faculdade de Desporto da Universidade do ...

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ORADORES CONVIDADOS
Por outro lado, não será fruto desta perspectiva intelectualista
o fato de que na maioria das escolas as aulas de Educação
Física são consideradas apenas como atividades? Atividades
que podem, a qualquer momento, serem suspensas para dar
lugar a palestras, visitas, recuperação de provas teóricas, ou
mesmo para realizar reuniões do corpo docente?
Acompanhemos parte de um diálogo entre o pesquisador e
uma diretora de escola no interior do Rio Grande do Sul:
(Diretora) - Aqui em nossa escola temos um projeto muito importante.
Inserimos o ensino do xadrez. Realmente já se nota que os alunos
tem melhorado seu desempenho nas matérias teóricas. Todas as turmas
estão aprendendo xadrez.
(Pesquisador) - Interessante! Mas como foi inserido o xadrez na
grade curricular?
(Diretora) - Nas aulas de educação física. No lugar de duas aulas por
semana, substituímos uma delas pela aula de xadrez.
(Pesquisador) - Mas professora! A educação física já é tão restrita,
porque logo no seu horário de aulas?
(Diretora) É! Quem dá aulas de xadrez é o professor de educação física.
O projeto foi ele que criou 1 .
Mas, avancemos um pouco mais: que informações a escola dispõe
sobre os estágios de crescimento e desenvolvimento de
nossos estudantes? Que dados tem sobre as atividades físicas
habituais: esportes, lazer e cultura? Que registros tem sobre os
níveis de aptidão física relacionada à saúde? Novamente é a
diretora da escola a nos responder:
- Nós temos os postos de saúde e utilizamos com freqüência (...).
Muitas crianças trabalham auxiliando seus pais, trabalham na
pedreira 2 com tarefas leves como recolher os cacos e lavar as pedras
(...). As meninas auxiliam nas tarefas domésticas (...). Aqui mesmo na
escola elas exercem estas práticas e fazem doces maravilhosos (...).
Algumas já trabalham em lojas (...). É bom, por que ficam ocupadas e
livres de outras influências perigosas. Aliás os que trabalham são os
que menos apresentam problemas de disciplina na escola (...). No município
temos um CTG 3 com grupos de jovens que inclusive representam a
cidade em encontros regionais. (...) Há a escolinha de futebol do Sr.
(...). E algumas escolas oferecem oficinas de artes, de esportes e informática.
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Enfim, conclui-se que as escolas concentram informações
muito precárias sobre seus alunos. Além dos registros das
notas nas disciplinas teóricas, pouco se sabe, pelo menos de
forma sistematizada, sobre a vida dos estudantes. Insuficiência
de informações. Em síntese: ausência do corpo vivido.
Sublinhe-se: discursos contraditórios. Prega-se o discurso de
uma pedagogia em prol da cidadania, mas, cidadania sem cultura
corporal. Sem preocupações efetivas sobre o corpo que tem
lugar no espaço. Corpo que se move. Corpo que corre, anda,
dança, faz esporte.
Recuperemos um pouco da vida deste corpo ausente.
Sobre os hábitos de vida
Ao investigar sobre as atividades cotidianas dos escolares o que
se pode perceber 5 ?
- No interior da residência as principais ocupações são: ouvir
música e assistir televisão. Independente de residirem na zona
rural ou urbana, 86% de meninos e meninas, por exemplo, passam
a maior parte de seu tempo assistindo TV. Em média 3,5
horas por dia. Tarefas domésticas são atribuições de 96% das
Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2004, vol. 4, nº 2 (suplemento) [15–102]
meninas de todas as idades. Entre as meninas, 47% tem responsabilidade
de cuidar de crianças menores. Ainda há o tempo
dedicado as tarefas escolares.
- Para além do espaço residencial 90% dos escolares referem
que a principal ocupação é conversar com amigos. Passear a pé
é hábito de 76,5%. Andar de bicicleta de 75,5%. Jogar bola
ocupa 87% dos meninos e 60% das meninas. Serão suficientes
essas atividades físicas para a manutenção dos escolares na
zona saudável de aptidão física?
- O acesso a cultura praticamente não existe. A carência de atividades
associativas, como clubes, cinemas, grupos musicais e
teatrais no município é muito grande. Quando entrevistados
sobre participação em coletividades associativas, 20% dos escolares
referem envolvimento com grupos religiosos.
- As práticas esportivas apresentam-se pouco difundidas no
município. Entre os meninos, 73% dos residentes na zona
urbana e 85% da zona rural relatam que não têm acesso às atividades
esportivas formais. Estes números entre as meninas
atingem a freqüência de 86%.
Porque estes dados não constam nos arquivos escolares? A
cidadania tão proclamada nos discursos progressistas não atinge
essa dimensão do corpo vivido? Tais informações não são
capazes de subsidiar ações efetivas no currículo escolar?
O perfil nutricional
Fome Zero. Merenda escolar. Desnutrição. Discursos ... Mas, o
que está registrado nos documentos das escolas sobre o corpo
faminto? Que colaboração tem prestado a educação física neste
complexo temático? É tão simples: calcula-se a razão entre a
medida de massa corporal em quilogramas e estatura em centímetros
ao quadrado e obtém-se indicadores sobre o perfil
nutricional. Ou talvez, quem sabe, o corpo ideal da pedagogia
crítica não deva ter massa ou outras dimensões físicas?
O gráfico seguinte sugere os indicadores de nutrição dos escolares
medidos através do Índice de Massa Corporal. Muito simples.
Os resultados refletem um quadro complexo. No lado esquerdo
do gráfico os dados sugerem uma ocorrência significativa de
escolares na zona de baixo peso. Há probabilidade de que 32%
dos meninos e 36% das meninas encontrem-se em estado de
magreza. Possivelmente com indicadores de subnutrição. Por
outro lado, à direita do gráfico os dados sugerem a ocorrência
de 11% dos meninos e 6% das meninas com indicadores de
sobrepeso e obesidade. Realidade nacional? É provável. Como