Anu-Pre e secao1 - Prefeitura Municipal de Belo Horizonte
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O caráter exclu<strong>de</strong>nte do Plano é quase um corolário da i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong> seu formulador. Formado<br />
em ciências físicas e matemática, em 1873, em engenharia civil, em 1874, abolicionista e republicano<br />
autêntico, Aarão Reis, o engenheiro, o professor, o administrador, foi tudo isto ao ritmo <strong>de</strong> uma profunda<br />
convicção positivista. Influenciado por Condorcet, por Tocqueville, por Saint-Simon, foi, sobretudo, discípulo<br />
<strong>de</strong> Comte e Littré. <strong>Pre</strong>ocupado com as questões sociais <strong>de</strong> seu tempo buscou oferecer uma proposta <strong>de</strong><br />
reforma social que fosse alternativa ao socialismo. Diz Heliana Salgueiro:<br />
“Sem o otimismo progressista que caracterizava na juventu<strong>de</strong>, vê agora as utopias como<br />
“fantasiosas”, criadoras <strong>de</strong> “ilusões” ou <strong>de</strong> “anarquia” no trabalho industrial. Recusa igualmente<br />
a concepção materialista da história, consi<strong>de</strong>rando a doutrina “tão bem construída”<br />
do “eminente Karl Marx” como “catastrófica”, em razão da incitação da humanida<strong>de</strong> à luta<br />
<strong>de</strong> classes. O verda<strong>de</strong>iro socialismo só po<strong>de</strong> se efetuar, segundo Reis, pela “aplicação vigorosa<br />
<strong>de</strong> um método científico no estudo das ciências sociais, pelo <strong>de</strong>senvolvimento da<br />
indústria, respeito à autonomia individual e organização social, fundada na liberda<strong>de</strong> do<br />
trabalho e do comércio”. (SALGUEIRO, 1997, p. 63)<br />
Sinceramente reformista Aarão Reis buscou conciliar este objetivo com uma igualmente forte<br />
concepção do papel regenerador – ortopédico do Estado. Esta questão está exemplarmente posta no referente<br />
às <strong>de</strong>sapropriações que a construção <strong>de</strong> <strong>Belo</strong> <strong>Horizonte</strong> implicava. Helena Salgueiro aponta a tensão que<br />
vai marcar a trajetória <strong>de</strong> Aarão Reis:<br />
“Como reconhecer em Reis um arauto da Fraternida<strong>de</strong>, se ele consente que se expulsem<br />
pessoas <strong>de</strong> suas casas e terras? O tema é certamente <strong>de</strong>licado e envolve uma série <strong>de</strong><br />
reflexões: se a Fraternida<strong>de</strong> é um <strong>de</strong>ver, a <strong>de</strong>sapropriação é um direito, com bases legais”.<br />
(SALGUEIRO, 1997, p. 98)<br />
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Esta tensão entre <strong>de</strong>ver e direito não se resolve em Aarão Reis. Se alguns <strong>de</strong> seus colegas <strong>de</strong><br />
Comissão Construtora, como Fábio Nunes Leal, são francamente segregacionistas, darwianos, exclu<strong>de</strong>ntes no<br />
referente à população autóctone da cida<strong>de</strong> (SALGUEIRO, 1997, p. 102), Aarão Reis é mais contido:<br />
“...restringe sua leitura ao meio físico, ao conjunto dos “conhecimentos positivos”, às<br />
análises técnicas, à eficácia administrativa passando em silêncio sobre as questões <strong>de</strong> uma<br />
“geografia social” na construção <strong>de</strong> sua paisagem i<strong>de</strong>al para um homem inexistente”.<br />
(SALGUEIRO, 1997, p. 102)<br />
É certo que ele <strong>de</strong>sapropria, que ele afasta os antigos moradores, mas ele o faz, explicitamente,<br />
porque o direito o autoriza e a ciência o recomenda e o faz, segundo ele, com um mínimo <strong>de</strong> violência e o<br />
máximo <strong>de</strong> benefício para o interesse do erário.<br />
Esta a árdua e melindrosa tarefa que ele cumpriu como missão, missão regeneradora, portal<br />
dos novos tempos que a capital significaria. É esta também a atitu<strong>de</strong> que terá em relação a outros temas<br />
melindrosos, como a <strong>de</strong>molição das velhas igrejas católicas do Arraial. Para ele a <strong>de</strong>molição da Capela do<br />
Rosário e da Matriz da Boa Viagem era imperativo técnico – elas ficavam em pontos, que, pelo traçado,<br />
seriam aterrado um, escavado outro. Sua proposta, contrariando inclusive a constituição republicana que<br />
impe<strong>de</strong> o uso <strong>de</strong> dinheiro público com a manutenção <strong>de</strong> culto religioso, é que “seja <strong>de</strong>liberada a substituição<br />
<strong>de</strong>sses dois templos por outros novos, não se proce<strong>de</strong>ndo à <strong>de</strong>molição <strong>de</strong> cada um antes <strong>de</strong> concluída a<br />
edificação do substituto”. (REIS, apud SALGUEIRO, 1997, p. 105)<br />
Eis, neste episódio, toda a trama da singularida<strong>de</strong> política e i<strong>de</strong>ológica <strong>de</strong> Aarão Reis e <strong>de</strong> seu<br />
Plano para a cida<strong>de</strong> – a problemática conciliação entre a tradição e as exigências da técnica, entre o direito<br />
à fé e o <strong>de</strong>ver do Estado. A resultante <strong>de</strong>sta tensão é um certo mal-estar permanente dado pela reiteração da<br />
morte da memória da cida<strong>de</strong>, pela sistemática <strong>de</strong>struição <strong>de</strong> seus marcos, <strong>de</strong> suas referências coletivas, tudo<br />
sempre em nome da técnica, do progresso, do futuro.<br />
Neste sentido relativize-se o juízo unilateral sobre Aarão Reis e seu projeto, que ele é, sobretudo,<br />
ambivalente.<br />
É também como ambivalência que se <strong>de</strong>ve colocar o referente ao anacronismo do Plano <strong>de</strong><br />
Aarão Reis. Os que querem vê-lo como puro equívoco lembram sempre da rápida superação <strong>de</strong> sua projeção