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Anu-Pre e secao1 - Prefeitura Municipal de Belo Horizonte

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novamente construído, não tinha ainda o charme, o calor, o lirismo, a mitologia das cida<strong>de</strong>s antigas, cuja<br />

cultura havia sido curtida no fogo brando da história lenta das Minas <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ntes. E mais, a população<br />

pequena, em que todos se conheciam e eram vigiados, não <strong>de</strong>ixava espaço para as estrepolias da juventu<strong>de</strong>.<br />

O jovem redator do Diário <strong>de</strong> Minas Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> viveu em <strong>Belo</strong> <strong>Horizonte</strong> nas primeiras<br />

décadas do século. Sua contribuição para o patrimônio simbólico da cida<strong>de</strong> é imensa, incalculável mesmo. O<br />

lado ameno, sociável, <strong>de</strong> sua vida cotidiana, está narrado numa entrevista radiofônica, mais tar<strong>de</strong> transcrita<br />

e publicada em livro 28 . Os primeiros ensaios foram os que o poeta publicou entre 1930 e 1934 nos jornais da<br />

cida<strong>de</strong>. São várias crônicas em que <strong>de</strong>screve e comenta, com o mesmo humor <strong>de</strong>sencantado que sempre o<br />

caracterizou, os fatos diários da cida<strong>de</strong>. São textos <strong>de</strong> um jovem autor em que já estão os elementos que<br />

fariam sua justa fama: a secura, o <strong>de</strong>sencanto e o ceticismo:<br />

Características Históricas e Territoriais<br />

“Porque <strong>Belo</strong> <strong>Horizonte</strong>, com todo esse ver<strong>de</strong>, com todo esse azul que enche as suas ruas e<br />

vai até a indiscreção <strong>de</strong> penetrar nas suas casas, dá a muita gente a impressão <strong>de</strong> um paraíso<br />

monotonamente primaveril. É ver<strong>de</strong> <strong>de</strong>mais, azul <strong>de</strong>mais. Assim só em verso, e o verso não é<br />

a substância <strong>de</strong> que se faz o nosso dia-a-dia terreno. Por isso acaba enjoando como uma<br />

salada <strong>de</strong> frutas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um bombom <strong>de</strong> chocolate (ou outra salada <strong>de</strong> frutas)”. 29<br />

Já nessas crônicas está a presença do passado, o saudosismo, aqui suave, mais tar<strong>de</strong> irado, que<br />

caracterizaria a relação do poeta com a cida<strong>de</strong>. Um ponto intermediário está em Nova BH, crônica <strong>de</strong> 1967,<br />

em que após <strong>de</strong>screver a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua juventu<strong>de</strong> diz:<br />

“Aí por volta <strong>de</strong> 1920, quando estreitamos relações, <strong>Belo</strong> <strong>Horizonte</strong> era uma “Velha Cida<strong>de</strong>”<br />

como lhe chamou um poetinha <strong>de</strong> verso manco... Não acontecia nada. Que paisagem!<br />

Que crepúsculos! Que tédio!<br />

Agora que <strong>Belo</strong> <strong>Horizonte</strong> completa setenta anos, agora é que ela está<br />

moça, e meus olhos pasmam diante <strong>de</strong> sua graça <strong>de</strong>senvolta <strong>de</strong> garota saindo da piscina.<br />

Sim senhor, não conheço este brotinho”. 30<br />

1.10<br />

Esses sentimentos se enquadram bem na <strong>de</strong>scrição que outro gran<strong>de</strong> cronista belo-horizontino<br />

fez do “Poeta <strong>de</strong> Minas”, entida<strong>de</strong> abstrata que se perpetua <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVIII:<br />

“Todos os poetas <strong>de</strong> Minas são o mesmo e único poeta. Representa o psiquismo das Gerais,<br />

isto é, a bipolarida<strong>de</strong> (coexistência <strong>de</strong> emoções conflitantes), a abulia (inibição da vonta<strong>de</strong>),<br />

a libido (gana sexual), a oniomania (inclinação à barganha). A disforia (mal-estar<br />

espiritual), a ambivalência (emoções contrárias <strong>de</strong> amor e ódio) etc.<br />

Esse poeta único <strong>de</strong> Minas canta na pauta suplementar, on<strong>de</strong> se con<strong>de</strong>nsam<br />

as cristalizações inconscientes. Que canto é esse? Uma nênia <strong>de</strong> <strong>de</strong>sassossego, <strong>de</strong> nostalgia<br />

pelo <strong>de</strong>molido, o canto <strong>de</strong> Minas entalada, frustrada, <strong>de</strong>rrocada”. 31<br />

Todas essas características estão na série <strong>de</strong> poemas __ que po<strong>de</strong>m ser chamados <strong>de</strong> crônicas<br />

poéticas: Boitempo I 32 e Boitempo II. Aí está poetisado o passado, traçado seu itinerário, seus encontros,<br />

suas cida<strong>de</strong>s, Sua Cida<strong>de</strong>! Revelada sua memória. Mas permeia sempre o clima <strong>de</strong> nostálgico <strong>de</strong>salento, do<br />

paraíso perdido:<br />

“Noite-montanha. Noite vazia. Noite in<strong>de</strong>cisa.<br />

Confusa noite. Noite à procura, mesmo sem alvo”. 33<br />

28<br />

ANDRADE, Carlos Drummond <strong>de</strong>. Tempo Vida Poesia. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Record, 1987.<br />

29<br />

id. Do Frio que chegou. R. do Arquivo Público Mineiro. <strong>Belo</strong> <strong>Horizonte</strong>, v. 35, p.12, 1984.<br />

30<br />

id. Nova BH. In: Auto retrato e outras crônicas. 4. Ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Record, 1998, p. 130-40.<br />

31<br />

CAMPOS, Paulo Men<strong>de</strong>s. O poeta <strong>de</strong> Minas. In: Brasil Brasileiro: Crônicas do País das Cida<strong>de</strong>s e do Povo. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, p.69.<br />

32<br />

ANDRADE, Carlos Drummond <strong>de</strong>. Boitempo I. 5. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Record, 1998.<br />

33<br />

id. A consciência suja. In: Boitempo II. 4. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Record. 1998, p.239.

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