Os Sertões - Euclides da Cunha - Mkmouse.com.br

do embarque para o Ceará pediu às autoridades que o livrassem da<br />
curiosidade pública, a única coisa que o vexava.<br />
Chegando à terra natal, reconhecida a improcedência da denúncia, é posto<br />
em liberdade. E no mesmo ano reaparece na Bahia entre os discípulos, que o<br />
aguardavam sempre.<br />
Esta volta - coincidindo, segundo afirmam, com o dia que prefixara, no<br />
momento de ser preso-tomou aspectos de milagre.<br />
Tresdobrou a sua influência.<br />
Vagueia, então, algum tempo, pelos sertões de Curaçá, estacionando<br />
( 1877 ) de preferência em Chorrochó, lugarejo de poucas centenas de<br />
habitantes, cuja feira movimentada congrega a maioria dos povoadores<br />
daquele trecho do S. Francisco. Uma capela elegante indica-lhe, ainda hoje, a<br />
estada. E, mais venerável talvez, pequena árvore, à entrada da vila, que foi por<br />
muito tempo objeto de uma fitolatria extraordinária. À sua sombra descansara o<br />
peregrino. Era um arbusto sagrado. A sua sombra curavam-se os crédulos<br />
doentes; as suas folhas eram panacéia infalível.<br />
O povo começava a grande série de milagres de que não cogitava talvez o<br />
infeliz...<br />
De 1877 a 1887 erra por aqueles sertões, em todos os sentidos, chegando<br />
mesmo até ao litoral, em Vila do Conde ( 1887 ).<br />
Em toda esta área não há, talvez, uma cidade ou povoado onde não tenha<br />
aparecido. Alagoinhas, Inhambupe, Bom Conselho, Jeremoabo, Cumbe,<br />
Mucambo, Maçacará, Pombal, Monte Santo, Tucano e outros viram-no chegar,<br />
acompanhado da farândola de fiéis. Em quase todas deixava um traço da<br />
passagem: aqui um cemitério arruinado, de muros reconstruídos; além uma<br />
igreja renovada; adiante uma capela que se erguia, elegante sempre.<br />
A sua entrada nos povoados, seguido pela multidão contrita, em silencio,<br />
alevantando imagens, cruzes e bandeiras do Divino, era solene e<br />
impressionadora. Paralisavam-se as ocupações normais. Ermavam-se as<br />
oficinas e as culturas. A população convergia para a vila onde, em<br />
compensação, avultava o movimento das feiras; e durante alguns dias,<br />
eclipsando as autoridades locais, o penitente errante e humilde monopolizava o<br />
mando, fazia-se autoridade única.<br />
Erguiam-se na praça, revestidas de folhagens, as latadas, onde à tarde<br />
entoavam, os devotos, terços e ladainhas; e quando era grande a concorrência,<br />
improvisava-se um palanque ao lado do barracão da feira, no centro do largo,<br />
para que a palavra do profeta pudesse irradiar para todos os pontos e edificar<br />
todos os crentes.<br />
As prédicas<br />
Ele ali subia e pregava. Era assombroso, afirmam testemunhas existentes.<br />
Uma oratória bárbara e arrepiadora, feita de excertos truncados das Horas