13.04.2013 Views

Os Sertões - Euclides da Cunha - Mkmouse.com.br

Os Sertões - Euclides da Cunha - Mkmouse.com.br

Os Sertões - Euclides da Cunha - Mkmouse.com.br

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

eforçarem, a pau e a tiro, a soberania popular, expressa na imbecili<strong>da</strong>de<<strong>br</strong> />

triunfante de um régulo qualquer; e para o estraçoamento <strong>da</strong>s atas; e para as<<strong>br</strong> />

mazorcas periódicas que a lei marca, denominando-as "eleições", eufemismo<<strong>br</strong> />

que é entre nós o mais vivo traço <strong>da</strong>s ousadias <strong>da</strong> linguagem. A nossa<<strong>br</strong> />

civilização de empréstimo arregimentava, <strong>com</strong>o sempre o fez, o banditismo<<strong>br</strong> />

sertanejo.<<strong>br</strong> />

Ora, estas arranca<strong>da</strong>s eram um ensinamento. Eram úteis. Eram exercícios<<strong>br</strong> />

práticos indispensáveis ao preparo para recontros mais valentes.<<strong>br</strong> />

Compreendera-as, talvez, assim, o Conselheiro. Tolerava-as. No arraial,<<strong>br</strong> />

porém , exigia, digamos em falta de outro termo - porque os léxicos não o têm<<strong>br</strong> />

para exprimir um tumulto disciplinado - ordem inalterável. Ali permaneciam,<<strong>br</strong> />

inofensivos porque eram inválidos, os seus melhores crentes: mulheres,<<strong>br</strong> />

crianças, velhos alque<strong>br</strong>ados, doentes inúteis. Viviam parasitariamente <strong>da</strong><<strong>br</strong> />

solicitude do chefe, que Ihes era o Santo protetor, ao qual sau<strong>da</strong>vam entoando<<strong>br</strong> />

versos há vinte e tantos anos correntes nos sertões:<<strong>br</strong> />

Do céu veio uma luz<<strong>br</strong> />

Que Jesus Cristo mandou<<strong>br</strong> />

Santo Antônio Aparecido<<strong>br</strong> />

Dos castigos nos livrou!<<strong>br</strong> />

Quem ouvir e não aprender<<strong>br</strong> />

Quem souber e não ensinar<<strong>br</strong> />

No dia do Juízo<<strong>br</strong> />

A sua alma penará!<<strong>br</strong> />

Estas velhas quadras, que a tradição guar<strong>da</strong>ra, lem<strong>br</strong>avam ao infeliz os<<strong>br</strong> />

primeiros dias <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> atormenta<strong>da</strong> e avivam-lhe, porventura, os últimos tragos<<strong>br</strong> />

<strong>da</strong> vai<strong>da</strong>de, no confronto vantajoso <strong>com</strong> o santo milagreiro por excelência.<<strong>br</strong> />

O certo é que a<strong>br</strong>ia aos desventurados os celeiros fartos pelas esmolas e<<strong>br</strong> />

produtos do trabalho <strong>com</strong>um. Compreendia que aquela massa, na aparência<<strong>br</strong> />

inútil, era o cerne vigoroso do arraial. Formavam-na os eleitos, felizes por terem<<strong>br</strong> />

aos om<strong>br</strong>os os frangalhos imundos, esfiapados sambenitos de uma penitência,<<strong>br</strong> />

que Ihes fora a própria vi<strong>da</strong>; bem-aventurados porque o passo trôpego,<<strong>br</strong> />

remorado pelas muletas e pelas anquiloses, Ihes era a celeri<strong>da</strong>de máxima, no<<strong>br</strong> />

avançar para a felici<strong>da</strong>de eterna.<<strong>br</strong> />

O templo<<strong>br</strong> />

Além disto ali os aguar<strong>da</strong>va, no termo <strong>da</strong> jorna<strong>da</strong>, a última penitência: a<<strong>br</strong> />

construção do templo.<<strong>br</strong> />

A antiga capela não bastava. Era frágil e pequena. Mal so<strong>br</strong>anceava os<<strong>br</strong> />

colmos achatados. Retratava por demais, no aspecto modestíssimo, a pureza<<strong>br</strong> />

principal <strong>da</strong> religião antiga.<<strong>br</strong> />

Era necessário que se lhe contrapusesse a arx monstruosa, erigi<strong>da</strong> <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

se fosse o molde monumental <strong>da</strong> seita <strong>com</strong>batente.<<strong>br</strong> />

Começou a erigir-se a igreja nova. Desde antemanhã, enquanto uns se

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!