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Os Sertões - Euclides da Cunha - Mkmouse.com.br

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erguidos, bandeiras do Divino ruflando, lá se vão, descampados em fora,<<strong>br</strong> />

famílias inteiras - não já os fortes e sadios senão os próprios velhos <strong>com</strong>balidos<<strong>br</strong> />

e enfermos claudicantes, carregando aos om<strong>br</strong>os e à cabeça as pedras dos<<strong>br</strong> />

caminhos, mu<strong>da</strong>ndo os santos de uns para outros lugares. Ecoam largos dias,<<strong>br</strong> />

monótonas, pelos ermos, por onde passam as lentas procissões propiciatórias,<<strong>br</strong> />

as la<strong>da</strong>inhas tristes. Re<strong>br</strong>ilham longas noites nas chapa<strong>da</strong>s, pervagantes as<<strong>br</strong> />

velas dos penitentes... Mas os céus persistem sinistramente claros; o Sol<<strong>br</strong> />

fulmina a Terra; progride o espasmo assom<strong>br</strong>ados <strong>da</strong> seca. O matuto considera<<strong>br</strong> />

a prole apavora<strong>da</strong>; contempla entristecido os bois sucumbidos, que se<<strong>br</strong> />

agrupam so<strong>br</strong>e as fun<strong>da</strong>gens <strong>da</strong>s ipueiras, ou, ao longe, em grupos erradios e<<strong>br</strong> />

lentos, pescoços do<strong>br</strong>ados, acaroados <strong>com</strong> o chão, em mugidos prantivos<<strong>br</strong> />

"farejando a água"; - e sem que se lhe amorteça a crença, sem duvi<strong>da</strong>r <strong>da</strong><<strong>br</strong> />

Providência que o esmaga, murmurando às mesmas horas as preces<<strong>br</strong> />

costumeiras, apresta-se ao sacrifício. Arremete de alvião a enxa<strong>da</strong> <strong>com</strong> a terra,<<strong>br</strong> />

buscando nos estratos inferiores a água que fugiu <strong>da</strong> superfície. Atinge-os às<<strong>br</strong> />

vezes; outras, após enormes fadigas, esbarra em uma lajem que lhe anula todo<<strong>br</strong> />

o esforço despendido; e outras vezes, o que é mais corrente, depois de<<strong>br</strong> />

desven<strong>da</strong>r tênue lençol líquido subterrâneo, o vê desaparecer um, dois dias<<strong>br</strong> />

passados, evaporando-se, ou sugado pelo solo. A<strong>com</strong>panha-o tenazmente,<<strong>br</strong> />

reprofun<strong>da</strong>ndo a mina, em cata do tesouro fugitivo. Volve, por fim, exausto, à<<strong>br</strong> />

beira <strong>da</strong> própria cova que a<strong>br</strong>iu, feito um desenterrado. Mas <strong>com</strong>o frugali<strong>da</strong>de<<strong>br</strong> />

rara lhe permite passar os dias <strong>com</strong> alguns manelos de paçoca, não se lhe<<strong>br</strong> />

afrouxa, tão de pronto, o ânimo.<<strong>br</strong> />

Ali está, em torno, a caatinga, o seu celeiro agreste. Esquadrinha-o. Talha<<strong>br</strong> />

em pe<strong>da</strong>ços os man<strong>da</strong>carus que desalteram, ou as ramas verdoengas dos<<strong>br</strong> />

juazeiros que alimentam os magros bois famintos; derruba os estipites dos<<strong>br</strong> />

ouricuris e rala-os, amassa-os, cozinha-os, fazendo um pão sinistro, o "<strong>br</strong>ó",<<strong>br</strong> />

que incha os ventres num enfarte ilusório, empanzinando o faminto; atesta os<<strong>br</strong> />

jiraus de coquilhos; arranca as raízes túmi<strong>da</strong>s dos umbuzeiros, que lhe<<strong>br</strong> />

dessedentam os filhos, reservando para si o sumo adstringente dos cladódios<<strong>br</strong> />

do xiquexique, que enrouquece ou extinguem a voz de quem o bebe, e<<strong>br</strong> />

demasia-se em trabalhos, apelando infatigável para todos os recursos - forte e<<strong>br</strong> />

carinhoso - defendendo-se e estendendo à prole abati<strong>da</strong> e aos rebanhos<<strong>br</strong> />

confiados a energia so<strong>br</strong>e-humana.<<strong>br</strong> />

Bal<strong>da</strong>m-se-lhe, porém, os esforços.<<strong>br</strong> />

A natureza não o <strong>com</strong>bate apenas <strong>com</strong> o deserto. Povoa-a, contrastando<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> a fuga <strong>da</strong>s seriemas, que emigram para outros "tabuleiros", e jan<strong>da</strong>ias,<<strong>br</strong> />

que fogem para o litoral remoto, uma fauna cruel. Miríades de morcegos<<strong>br</strong> />

agravam a "magrém", abatendo-se so<strong>br</strong>e o gado, dizimando-o. Chocalham as<<strong>br</strong> />

cascavéis, inúmeras, tanto mais numerosas quanto mais ardente o estio, entre<<strong>br</strong> />

as macegas recresta<strong>da</strong>s.<<strong>br</strong> />

À noite, a suçuarana traiçoeira e ladra, que lhe rouba os bezerros e os<<strong>br</strong> />

novilhos, vem beirar a sua lancharia po<strong>br</strong>e.<<strong>br</strong> />

É mais um inimigo a suplantar.<<strong>br</strong> />

Afugenta-a e espanta-a, precipitando-se <strong>com</strong> um tição aceso no terreiro<<strong>br</strong> />

deserto. E se ela não recua, assalta-a. Mas não a tiro, porque sabe que,

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