Os Sertões - Euclides da Cunha - Mkmouse.com.br

E continuou:<br />
"É assim em toda parte: a Franca, que é uma das principais nações da<br />
Europa, foi monarquia por muitos séculos, mas há mais de vinte anos é<br />
República; e todo o povo, sem exceção dos monarquistas de lá, obedece às<br />
autoridades e às leis do governo."<br />
Fr. Monte-Marciano, nesse remoer nulíssimas considerações políticas,<br />
insciente da significação real da desordem sertaneja, diz por si mesmo as<br />
causas do insucesso. Desdobrou, afinal, inteira, a estatura anômala de<br />
propagandista, faltando apenas ter sob as dobras do hábito a escopeta do cura<br />
de Santa Cruz:<br />
"Nós, mesmo aqui no Brasil, a principiar do bispo até o último católico,<br />
reconhecemos o governo atual; somente vós não vós quereis sujeitar ?<br />
É mau pensar esse, e uma doutrina errada a vossa!'<br />
A frase final vibrou como uma apóstrofe. De dentro da multidão partiu<br />
pronta, a réplica arrogante:<br />
"V.Rev.ma é que tem uma falsa doutrina e não o nosso Conselheiro!"<br />
Desta vez ainda o tumulto. prestes a explodir, retraiu-se a um gesto lento<br />
do Conselheiro que. voltando-se para o missionário, disse<br />
" - Eu não desarmo a minha gente, mas também não estorvo a santa<br />
missão."<br />
Esta iniciava-se agora sob maus auspícios. Apesar disto correu em paz até<br />
ao quarto dia, e concorridíssima: cerca de cinco mil assistentes, entre os quais<br />
todos os homens válidos se destacavam :<br />
"... carregando bacamartes, garruchas, espingardas, pistolas c facões, de<br />
cartucheiras à cinta e gorro à cabeça, na atitude de quem vai à guerra."<br />
Assistia-a também o Conselheiro, ao lado do altar, atento e impassível<br />
como um fiscal severo, "deixando escapar alguma vez gestos de desaprovação<br />
que os maiores da grei confimavam com incisivos protestos."<br />
Estes, contudo, ao que parece, não tinham gravidade alguma. Apenas um<br />
ou outro exaltado, violando velho privilégio, se permitia sulcar de apartes a<br />
oratória sagrada.<br />
Assim que, praticando o pregador sobre o jejum, como meio de mortificar a<br />
matéria e refrear as paixões, pela sobriedade, sem entretanto exigir demoradas<br />
angústias, porque "podia-se jejuar muitas vezes comendo carne ao jantar e<br />
tomando, pela manhã, uma chávena de café", tolheu-lhe o sermão irreverente<br />
e irônica contradita:<br />
- Ora ! isto não é jejum, é comer a fartar !"