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Os Sertões - Euclides da Cunha - Mkmouse.com.br

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tornarem - quando não se perdem para todo o sempre, sem tino, na "travessia"<<strong>br</strong> />

perigosa dos descampados uniformes - reatam a mesma vi<strong>da</strong> monótona e<<strong>br</strong> />

primitiva.<<strong>br</strong> />

De repente, uma variante trágica.<<strong>br</strong> />

Aproxima-se a seca.<<strong>br</strong> />

A seca<<strong>br</strong> />

O sertanejo adivinha-a e graças ao ritmo singular <strong>com</strong> que se desencadeia<<strong>br</strong> />

o flagelo.<<strong>br</strong> />

Entretanto não foge logo, abandonando a terra a pouco e pouco invadi<strong>da</strong><<strong>br</strong> />

pelo limbo candente que irradia do Ceará.<<strong>br</strong> />

Buckle, em página notável, assinala a anomalia de se não afeiçoar nunca, o<<strong>br</strong> />

homem, às calami<strong>da</strong>des naturais que o rodeiam. Nenhum povo tem mais pavor<<strong>br</strong> />

aos terremotos que o peruano; e no Peru as crianças ao nascerem tem o berço<<strong>br</strong> />

embalado pelas vi<strong>br</strong>ações <strong>da</strong> terra.<<strong>br</strong> />

Mas o nosso sertanejo faz exceção à regra. A seca não o apavora. É um<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>plemento à sua vi<strong>da</strong> tormentosa, emoldurando-a em cenários tremendos.<<strong>br</strong> />

Enfrenta-a, estóico. Apesar <strong>da</strong>s dolorosas tradições que conhece através de<<strong>br</strong> />

um sem numero de terríveis episódios, alimenta a todo o transe esperanças de<<strong>br</strong> />

uma resistência impossível.<<strong>br</strong> />

Com os escassos recursos <strong>da</strong>s próprias observações e <strong>da</strong>s dos seus<<strong>br</strong> />

maiores, em que ensinamentos práticos se misturam a extravagantes<<strong>br</strong> />

crendices, tem procurado estu<strong>da</strong>r o mal, para o conhecer, suportar e suplantar.<<strong>br</strong> />

Aparelha-se <strong>com</strong> singular sereni<strong>da</strong>de para a luta. Dois ou três meses antes do<<strong>br</strong> />

solstício de verão, especa e fortalece os muros dos açudes, ou limpa as<<strong>br</strong> />

cacimbas. Faz os roçados e arregoa as estreitas faixas de solo arável à orla<<strong>br</strong> />

dos ribeirões. Está preparado para as plantações ligeiras à vin<strong>da</strong> <strong>da</strong>s primeiras<<strong>br</strong> />

chuvas.<<strong>br</strong> />

Procura em segui<strong>da</strong> desven<strong>da</strong>r o futuro. Volve o olhar para as alturas;<<strong>br</strong> />

atenta longamente nos quadrantes; e perquire os traços mais fugitivos <strong>da</strong>s<<strong>br</strong> />

paisagens.<<strong>br</strong> />

<strong>Os</strong> sintomas do flagelo despontam-lhe, então, encadeados em série,<<strong>br</strong> />

sucedendo-se inflexíveis, <strong>com</strong>o sinais <strong>com</strong>emorativos de uma moléstia cíclica,<<strong>br</strong> />

<strong>da</strong> sezão assom<strong>br</strong>adora <strong>da</strong> Terra. Passam as "chuvas do caju" em outu<strong>br</strong>o,<<strong>br</strong> />

rápi<strong>da</strong>s, em chuvisqueiros prestes delidos nos ares ardentes, sem deixarem<<strong>br</strong> />

traços; e "pintam" as caatingas, aqui, ali, por to<strong>da</strong> a parte, mosquea<strong>da</strong>s de<<strong>br</strong> />

tufos pardos de árvores marcescentes, ca<strong>da</strong> vez mais numerosos e maiores,<<strong>br</strong> />

lem<strong>br</strong>ando cinzeiros de uma <strong>com</strong>bustão abafa<strong>da</strong>, sem chamas; e greta-se o<<strong>br</strong> />

chão; e abaixa-se vagarosamente o nível <strong>da</strong>s cacimbas... Do mesmo passo<<strong>br</strong> />

nota que os dias, estuando logo ao alvorecer, transcorrem a<strong>br</strong>asantes, à<<strong>br</strong> />

medi<strong>da</strong> que as noites se vão tornando ca<strong>da</strong> vez mais frias. A atmosfera<<strong>br</strong> />

absorve-lhe, <strong>com</strong> avidez de esponja, o suor na fronte, enquanto a armadura de<<strong>br</strong> />

couro, sem mais a flexibili<strong>da</strong>de primitiva, se lhe endurece aos om<strong>br</strong>os,

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