Os Sertões - Euclides da Cunha - Mkmouse.com.br

Ali, no pleno dos estios quentes, quando se diluem, mortas nos ares<br />
parados, as últimas lufadas de leste, o termômetro é substituído pelo<br />
higrômetro na definição do clima. As existências derivam numa alternativa<br />
dolorosa de vazantes e enchentes dos grandes rios. Estas alteiam-se sempre<br />
de um modo assombrador. O Amazonas referto salta fora do leito, levanta em<br />
poucos dias o nível das águas, de dezessete metros; expande-se em alagados<br />
vastos, em furos, em paranamirins ,entrecruzados em rede complicadíssima de<br />
mediterrâneo cindido de correntes fortes, dentre as quais emergem, ilhados, os<br />
igapós verdejantes.<br />
A enchente é unia parada na vida. Preso nas malhas dos igarapés, o<br />
homem aguarda, então, com estoicismo raro ante a fatalidade incoercível, o<br />
termo daquele inverno paradoxal, de temperaturas altas. A vazante é o verão. É<br />
a revivescência da atividade rudimentar dos que ali se agitam, do único modo<br />
compatível com uma natureza que se demasia em manifestações dispares<br />
tornando impossível a continuidade de quaisquer esforços.<br />
Tal regímen acarreta o parasitismo franco. O homem bebe o leite da vida<br />
sugando os vasos túmidos das sifônias...<br />
Mas neste clima singular e típico destacam-se outras anomalias, que ainda<br />
mais o agravam. Não bastam as intermitências de cheias e estiagens,<br />
sobrevindo rítmicas como a sístole e a diástole da maior artéria na terra. Outros<br />
fatos tornam ao forasteiro inúteis todas as tentativas de aclimação real.<br />
Muitas vezes em plena enchente, em abril ou maio, no correr de um dia<br />
calmoso e claro, dentro da atmosfera ardente do Amazonas difundem-se<br />
rajadas frigidíssimas do sul.<br />
É como uma bafagem enregelada do pólo...<br />
O termômetro desce, então, logo, numa queda única e forte, de improviso.<br />
Estabelece-se por alguns dias uma situação inaturável.<br />
Os "regatões" espertos que esporeados pela ganância se avantajam até ali,<br />
e os próprios silvícolas enrijados pela adaptação, acolhem-se aos tejupás,<br />
tiritantes, abeirando-se das fogueiras. Cessam os trabalhos. Abre-se um novo<br />
hiato nas atividades. Despovoam-se aquelas grandes solidões alagadas,<br />
morrem os peixes nos rios, enregelados; morrem as aves nas matas<br />
silenciosas, ou emigram; esvaziam-se os ninhos; as próprias feras<br />
desaparecem, encafurnadas nas tocas mais profundas - ; e aquela natureza<br />
maravilhosa do Equador, toda remodelada pela reação esplêndida dos sois,<br />
patenteia um simulacro crudelíssimo de desolamento polar e lúgubre. É o<br />
tempo da "friagem".<br />
Terminemos, porém, esses debuxos rápidos.<br />
Os sertões do Norte, vimo-lo anteriormente, refletem, por sua vez, novos<br />
regímens, novas exigências biológicas. Ali a mesma intercadência de quadras<br />
remansadas e dolorosas se espelha mais duramente talvez, sob outras formas.<br />
Ora, se considerarmos que estes vários aspectos climáticos não exprimem