Os Sertões - Euclides da Cunha - Mkmouse.com.br
Os Sertões - Euclides da Cunha - Mkmouse.com.br
Os Sertões - Euclides da Cunha - Mkmouse.com.br
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Não raro, alguns bois - rebotalhos de mana<strong>da</strong>s grandes tresmalha<strong>da</strong>s pelo<<strong>br</strong> />
alvoroto <strong>da</strong> guerra - ao lo<strong>br</strong>igarem, de longe, a azáfama que movimentava de<<strong>br</strong> />
novo a paragem a que se haviam aquerenciado, o rancho tranqüilo onde<<strong>br</strong> />
tinham sofrido a primeira ferra, para lá abalavam velozmente. Vinham urrando,<<strong>br</strong> />
numa alegria ruidosa e forte. Buscavam o vaqueiro amigo que os campeara<<strong>br</strong> />
outrora e iria, de novo ao som <strong>da</strong>s cantigas conheci<strong>da</strong>s ou ao toar tristonho do<<strong>br</strong> />
aboiado, levá-lo às soltas prediletas, aos logradouros fartos e às agua<strong>da</strong>s<<strong>br</strong> />
frescas.<<strong>br</strong> />
Irrompiam, troteando, no terreiro...<<strong>br</strong> />
E tinham recepção cruel. A turba faminta circulava-os em tumulto numa<<strong>br</strong> />
assonância de gritos discor<strong>da</strong>ntes. Estron<strong>da</strong>vam as espingar<strong>da</strong>s. Avivados<<strong>br</strong> />
todos os corpos <strong>com</strong>balidos, arremetiam em monteria doi<strong>da</strong> <strong>com</strong> os animais<<strong>br</strong> />
surpresos e refluindo logo, estontea<strong>da</strong>mente, embolados, para a trama do<<strong>br</strong> />
matagal <strong>br</strong>avio. Depois de se afadigarem em correrias exaustivas, irritando nos<<strong>br</strong> />
espinhos as chagas recém-abertas e agravando a fe<strong>br</strong>e, matavam afinal um,<<strong>br</strong> />
dois, três bois no máximo, em tiroteios vivos, que lem<strong>br</strong>avam <strong>com</strong>bates.<<strong>br</strong> />
Carneavam. E que<strong>da</strong>vam-se, após esses incidentes providenciais, fartos,<<strong>br</strong> />
quase felizes pelo contraste <strong>da</strong> própria penúria, aguar<strong>da</strong>ndo o amanhecer para<<strong>br</strong> />
reatarem o êxodo...<<strong>br</strong> />
Então, naquela quietude <strong>br</strong>eve, salteava-os uma idéia empolgante - um<<strong>br</strong> />
assalto dos jagunços! Viam-se inermes, depauperados, andrajosos e repulsivos<<strong>br</strong> />
quase, lívidos de fome, varridos para o deserto <strong>com</strong>o trambolhos inúteis - e<<strong>br</strong> />
tinham temores infantis. O adversário, que se afoitara <strong>com</strong> as <strong>br</strong>iga<strong>da</strong>s<<strong>br</strong> />
aguerri<strong>da</strong>s e levara os assomos cegos ao ponto de ferrar canhões a pulso,<<strong>br</strong> />
trucidá-los-ia em minutos. E a noite descia cheia de ameças...<<strong>br</strong> />
Valentes endurados no regímen <strong>br</strong>uto <strong>da</strong>s batalhas tinham so<strong>br</strong>essaltos de<<strong>br</strong> />
pavor ante as coisas mais vulgares e velavam, cautos, a despeito <strong>da</strong>s fadigas,<<strong>br</strong> />
armando os ouvidos aos rumores vagos e longínquos <strong>da</strong>s chapa<strong>da</strong>s.<<strong>br</strong> />
Torturavam-nos alucinações cruéis. A deiscência <strong>da</strong>s vagens <strong>da</strong>s<<strong>br</strong> />
catingueiras, a<strong>br</strong>indo-se <strong>com</strong> estalidos secos e fortes, soava-lhes feito<<strong>br</strong> />
percussão de gatilhos ou estalos de espoletas, <strong>da</strong>ndo a ilusão de súbitas<<strong>br</strong> />
descargas de alguma algara noturna repentina; e as grinal<strong>da</strong>s fosforescentes<<strong>br</strong> />
<strong>da</strong>s cumanãs irradiavam, ao longe, esbati<strong>da</strong>s nas som<strong>br</strong>as, <strong>com</strong>o restos de<<strong>br</strong> />
fogueiras, em torno às quais velassem, em silêncio, espectantes, tocaias<<strong>br</strong> />
inumerosas...<<strong>br</strong> />
A manhã libertava-os. Deixavam a paragem assom<strong>br</strong>adora. Lá ficavam,<<strong>br</strong> />
porém, às vezes, rigi<strong>da</strong>mente quietos, pelos cantos, os <strong>com</strong>panheiros que a<<strong>br</strong> />
morte libertara. Não os enterravam. Escasseava o tempo. O chão duro, de<<strong>br</strong> />
grés, despe<strong>da</strong>çaria os alviões, opondo-lhes consistência de pedra. Alguns,<<strong>br</strong> />
depois dos primeiros passos, fraqueavam de vez. Deixavam-se ficar exaustos,<<strong>br</strong> />
pelas curvas do caminho. Ninguém lhes <strong>da</strong>va pela falta. Desapareciam,<<strong>br</strong> />
eternamente esquecidos, agonizando no absoluto abandono. Morriam. E dias,<<strong>br</strong> />
semanas e meses sucessivos, os vian<strong>da</strong>ntes, passando, viam-nos na mesma<<strong>br</strong> />
postura: estendidos à som<strong>br</strong>a mosque<strong>da</strong> de <strong>br</strong>ilhos <strong>da</strong>s ramagens secas, o<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>aço direito arqueando-se à fronte, <strong>com</strong>o se a resguar<strong>da</strong>sse do sol, <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />
aparência exata de <strong>com</strong>batentes fatigados, descansando. Não se