Os Sertões - Euclides da Cunha - Mkmouse.com.br
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Jesus que, o<strong>br</strong>igando-se no Sul a transigências força<strong>da</strong>s, dominava no Norte.<<strong>br</strong> />
Excluindo quaisquer intenções condenáveis, os jesuítas ali realizaram tarefa<<strong>br</strong> />
nobilitadora. Foram ao menos rivais do colono ganancioso. No embate estúpido<<strong>br</strong> />
<strong>da</strong> perversi<strong>da</strong>de contra a barbaria, apareceu uma função digna àqueles eternos<<strong>br</strong> />
condenados. Fizeram muito. Eram os únicos homens disciplinados de seu<<strong>br</strong> />
tempo. Embora quimérica a tentativa de alçar o estado mental do aborígine às<<strong>br</strong> />
abstrações do monoteísmo, ela teve o valor de o atrair por muito tempo, até a<<strong>br</strong> />
intervenção oportuna de Pombal, para a nossa história.<<strong>br</strong> />
O curso <strong>da</strong>s missões, no Norte, em todo o trato de terras do Maranhão à<<strong>br</strong> />
Bahia, patenteia so<strong>br</strong>etudo um lento esforço de penetração no âmago <strong>da</strong>s<<strong>br</strong> />
terras sertanejas, <strong>da</strong>s fral<strong>da</strong>s <strong>da</strong> Ibiapaba às <strong>da</strong> Itiúba, que <strong>com</strong>pleta de algum<<strong>br</strong> />
modo a movimentação fe<strong>br</strong>il <strong>da</strong>s bandeiras. Se estas difundiam largamente o<<strong>br</strong> />
sangue <strong>da</strong>s três raças pelas novas paragens descobertas, provocando um<<strong>br</strong> />
entrelaçamento geral, a despeito <strong>da</strong>s perturbações que acarretavam - os<<strong>br</strong> />
aldeamentos, centros <strong>da</strong> força atrativa do apostolado, fundiam as malocas em<<strong>br</strong> />
aldeias; unificavam as cabil<strong>da</strong>s; integravam as tribos. Penetrando fundo nos<<strong>br</strong> />
sertões, graças a um esforço secular, os missionários salvaram em parte este<<strong>br</strong> />
fator <strong>da</strong>s nossas raças. Surpreendidos vários historiadores pela vin<strong>da</strong>, em<<strong>br</strong> />
grandíssima escala, do africano, que inicia<strong>da</strong> em fins do século 16 nunca mais<<strong>br</strong> />
parou até o nosso (1850) e considerando que ele foi o melhor aliado do<<strong>br</strong> />
português na quadra colonial, dão-lhe geralmente influência exagera<strong>da</strong> na<<strong>br</strong> />
formação do sertanejo do Norte. Entretanto, em que pese a esta invasão de<<strong>br</strong> />
vencidos e infelizes, e à sua fecundi<strong>da</strong>de rara, e a suas quali<strong>da</strong>des de<<strong>br</strong> />
a<strong>da</strong>ptação, apura<strong>da</strong>s na África adusta, é discutível que ela tenha atingido<<strong>br</strong> />
profun<strong>da</strong>mente os sertões.<<strong>br</strong> />
É certo que o consórcio afro-lusitano era velho, anterior mesmo ao<<strong>br</strong> />
desco<strong>br</strong>imento, porque se consumara desde o século 15, <strong>com</strong> os azenegues e<<strong>br</strong> />
jalofos de Gil Eanes e Antão Gonçalves. Em 1530 salpintavam as ruas de<<strong>br</strong> />
Lisboa mais de 10 mil negros, e o mesmo sucedia noutros lugares. Em Évora<<strong>br</strong> />
tinham maioria so<strong>br</strong>e os <strong>br</strong>ancos.<<strong>br</strong> />
<strong>Os</strong> versos de um contemporâneo, Garcia de Resende, são um documento:<<strong>br</strong> />
"Vemos no reino meter,<<strong>br</strong> />
Tantos cativos crescer,<<strong>br</strong> />
Irem-se os naturais,<<strong>br</strong> />
Que, se assim for, serão mais<<strong>br</strong> />
Eles que nós, a meu ver."<<strong>br</strong> />
A gênese do mulato<<strong>br</strong> />
Assim a gênese do mulato teve uma sede fora do nosso país. A primeira<<strong>br</strong> />
mestiçagem <strong>com</strong> o africano operou-se na metrópole. Entre nós, naturalmente,<<strong>br</strong> />
cresceu. A raça domina<strong>da</strong>, porém, teve, aqui, dirimi<strong>da</strong>s pela situação social, as<<strong>br</strong> />
facul<strong>da</strong>des de desenvolvimento. Organização potente afeita à humil<strong>da</strong>de<<strong>br</strong> />
extrema, sem as rebeldias do índio, o negro teve, de pronto, so<strong>br</strong>e os om<strong>br</strong>os<<strong>br</strong> />
to<strong>da</strong> a pressão <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> colonial. Era a besta de carga adstrita a trabalhos sem<<strong>br</strong> />
folga. As velhas ordenações, estatuindo o "<strong>com</strong>o se podem enjeitar os<<strong>br</strong> />
escravos e bestas por os acharem doentes ou mancos", denunciam a<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>utali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> época. Além disto - insistamos num ponto incontroverso - as