Os Sertões - Euclides da Cunha - Mkmouse.com.br
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"Parar o rodeio" é para o gaúcho uma festa diária, de que as cavalha<strong>da</strong>s<<strong>br</strong> />
espetaculosas são ampliações apenas. No âmbito estreito <strong>da</strong>s mangueiras ou<<strong>br</strong> />
em pleno campo, ajuntando o gado costeado ou encalçando os bois esquivos<<strong>br</strong> />
pelas sangas e banhados, os pealadores, capatazes e peões, preando à ilhapa<<strong>br</strong> />
dos laços o potro <strong>br</strong>avio, ou fazendo tombar, fulminado pelas bolas silvantes, o<<strong>br</strong> />
touro alçado, nas evoluções rápi<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s carreiras, <strong>com</strong>o se tirassem<<strong>br</strong> />
"argolinhas", seguem no alarido e na alacri<strong>da</strong>de de uma diversão tumultuosa.<<strong>br</strong> />
Nos trabalhos mais calmos, quando nos rodeios marcam o gado, curam-lhe as<<strong>br</strong> />
feri<strong>da</strong>s, apartam os que se destinam às charquea<strong>da</strong>s, separam os novilhos<<strong>br</strong> />
tambeiros ou escolhem os baguais condenados às chilenas do domador - o<<strong>br</strong> />
mesmo fogo, que encandesce as marcas, dá as <strong>br</strong>asas para os ágapes rudes<<strong>br</strong> />
de assados <strong>com</strong> couro ou ferve a água para o chimarrão amargo.<<strong>br</strong> />
Decorre-lhes a vi<strong>da</strong> varia<strong>da</strong> e farta.<<strong>br</strong> />
Servidão inconsciente<<strong>br</strong> />
O mesmo não acontece ao Norte. Ao contrário do entancieiro, o fazendeiro<<strong>br</strong> />
dos sertões vive no litoral, longe dos dilatados domínios que nunca viu, às<<strong>br</strong> />
vezes. Her<strong>da</strong>ram velho vício histórico. Como os opulentos sesmeiros <strong>da</strong><<strong>br</strong> />
colônia, usufruem, parasitariamente, as ren<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s suas terras, sem divisas<<strong>br</strong> />
fixas. <strong>Os</strong> vaqueiros são-lhes servos submissos.<<strong>br</strong> />
Graças a um contrato pelo qual percebem certa percentagem dos produtos,<<strong>br</strong> />
ali ficam, anônimos - nascendo, vivendo e morrendo na mesma quadra de terra<<strong>br</strong> />
- perdidos nos arrastadores e mocambos; e cui<strong>da</strong>ndo, a vi<strong>da</strong> inteira, fielmente,<<strong>br</strong> />
dos rebanhos que Ihes não pertencem.<<strong>br</strong> />
O ver<strong>da</strong>deiro dono, ausente, conhece-lhes a fideli<strong>da</strong>de sem par. Não os<<strong>br</strong> />
fiscaliza. Sabe-lhes, quando muito, os nomes.<<strong>br</strong> />
Envoltos, então, no traje característico, os sertanejos encourados erguem a<<strong>br</strong> />
choupana de pau-a-pique à bor<strong>da</strong> <strong>da</strong>s cacimbas, rapi<strong>da</strong>mente, <strong>com</strong>o se<<strong>br</strong> />
armassem ten<strong>da</strong>s; e entregam-se, abnegados, à servidão que não avaliam.<<strong>br</strong> />
A primeira coisa que fazem é aprender o a b c e, afinal, to<strong>da</strong> a exigência <strong>da</strong><<strong>br</strong> />
arte em que são eméritos: conhecer os "ferros" <strong>da</strong>s suas fazen<strong>da</strong>s e os <strong>da</strong>s<<strong>br</strong> />
circunvizinhas. Chamam-se assim os sinais de todos os feitios, ou letras, ou<<strong>br</strong> />
desenhos caprichosos <strong>com</strong>o siglas, impressos, por tatuagem a fogo, nas ancas<<strong>br</strong> />
do animal, <strong>com</strong>pletados pelos cortes, em pequenos ângulos, nas orelhas.<<strong>br</strong> />
Ferrado o boi, está garantido. Pode romper tranqueiras e tresmalhar-se. Leva,<<strong>br</strong> />
indelével, a indicação que o reporá na "solta" primitiva. Porque o vaqueiro não<<strong>br</strong> />
se contentando <strong>com</strong> ter de cor os ferros de sua fazen<strong>da</strong>, aprende os <strong>da</strong>s<<strong>br</strong> />
demais. Chega, às vezes por extraordinário esforço de memória, a conhecer,<<strong>br</strong> />
uma por uma, não só as reses de que cui<strong>da</strong>, <strong>com</strong>o as dos vizinhos, incluindolhes<<strong>br</strong> />
a genealogia e hábitos característicos, e os nomes, e as i<strong>da</strong>des etc. Deste<<strong>br</strong> />
modo, quando surge no seu logrador um animal alheio, cuja marca conhece, o<<strong>br</strong> />
restitui de pronto. No caso contrário, conserva o intruso, tratando-o <strong>com</strong>o aos<<strong>br</strong> />
demais. Mas não o leva à feira anual, nem o aplica em trabalho algum; deixa-o<<strong>br</strong> />
morrer de velho. Não lhe pertence.<<strong>br</strong> />
Se é uma vaca e dá cria, ferra a esta <strong>com</strong> o mesmo sinal desconhecido,