Os Sertões - Euclides da Cunha - Mkmouse.com.br
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ancas, adrede dispostas numa encenação cruel - recor<strong>da</strong>vam o morticínio de<<strong>br</strong> />
março; numa inflexão antes do Angico, o ponto em que Salomão <strong>da</strong> Rocha<<strong>br</strong> />
alteara, por minutos, diante <strong>da</strong> on<strong>da</strong> rugidora que vinha em cima <strong>da</strong> coluna<<strong>br</strong> />
Moreira César, a barragem de aço de suas divisões de artilharia; no córrego<<strong>br</strong> />
seco, mais longe, a ribanceira a pique em que tombara do cavalo,<<strong>br</strong> />
pesa<strong>da</strong>mente, morto, o coronel Tamarindo; nas proximi<strong>da</strong>des do Aracati e<<strong>br</strong> />
Juetê, choupanas em ruínas, esteios e traves roídos dos incêndios, cercas<<strong>br</strong> />
arromba<strong>da</strong>s e invadi<strong>da</strong>s de mato, velhas roças em abandono, estereografando,<<strong>br</strong> />
indelével, o rastro <strong>da</strong>s expedições anteriores...<<strong>br</strong> />
Perto do riacho do Vigário, por um requinte de lúgu<strong>br</strong>e ironia, os jagunços<<strong>br</strong> />
co<strong>br</strong>iram de floração fantástica a flora tolhiça e decídua: dos galhos tortos dos<<strong>br</strong> />
angicos pendiam restos de divisas vermelhas, trapos de dólmans azuis e<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>ancos, molambos de calças carmesins ou negras, e pe<strong>da</strong>ços de mantas<<strong>br</strong> />
ru<strong>br</strong>as -<strong>com</strong>o se a ramaria morta desabotoasse to<strong>da</strong> em flores<<strong>br</strong> />
sanguinolentas...<<strong>br</strong> />
Em torno, sem variantes no aspecto entristecedor, a mesma natureza<<strong>br</strong> />
bárbara. Morros enterroados, formas evanescentes de montanhas roí<strong>da</strong>s pelos<<strong>br</strong> />
aguaceiros fortes e repentinos, tendo às ilhargas, à mostra, a romper, a<<strong>br</strong> />
ossatura íntima <strong>da</strong> terra repontando em apófises rígi<strong>da</strong>s, ou desarticulando-se<<strong>br</strong> />
em blocos amontoados, em que há traços violentos de cataclismos; plainos<<strong>br</strong> />
desnudos e chatos feitos lhanos desmedidos; e, por to<strong>da</strong> a parte, mal reagindo<<strong>br</strong> />
à atrofia no fundo <strong>da</strong>s baixa<strong>da</strong>s úmi<strong>da</strong>s, uma vegetação agonizante e raquítica,<<strong>br</strong> />
espalha<strong>da</strong> num baralhamento de ramos retorcidos - reptantes pelo chão,<<strong>br</strong> />
contorcendo-se nos ares num <strong>br</strong>acejar de torturas...<<strong>br</strong> />
Choupanas paupérrimas, portas abertas para o caminho, surgiam em<<strong>br</strong> />
vários trechos, ain<strong>da</strong> não descolma<strong>da</strong>s, mas vazias, porque as deixara o<<strong>br</strong> />
vaqueiro que a guerra espavorira ou o fanático que indireitara para Canudos.<<strong>br</strong> />
Eram logo tumultuariamente invadi<strong>da</strong>s, ao tempo que as deixavam outros<<strong>br</strong> />
hóspedes surpreendidos: raposas ariscas e medrosas, saltando <strong>da</strong>s janelas e<<strong>br</strong> />
esvãos <strong>da</strong> cobertura - olhos em chamas e pelo arrepiado - e atufando-se, aos<<strong>br</strong> />
pinchos, nas macegas; ou centenares de morcegos, esvoaçando<<strong>br</strong> />
desequili<strong>br</strong>a<strong>da</strong>mente dos cômoros escuros, tontos, rechiantes.<<strong>br</strong> />
A estância desola<strong>da</strong> animava-se por algumas horas. Armavam-se redes<<strong>br</strong> />
pelos quartos exíguos, na saleta sem soalho e fora, nos troncos <strong>da</strong>s árvores do<<strong>br</strong> />
terreiro; amarravam-se os muares nas estacas cruza<strong>da</strong>s do curral deserto;<<strong>br</strong> />
estendiam-se pelas cercas frangalhos de capotes, cobertores e far<strong>da</strong>s velhas.<<strong>br</strong> />
Grupos erradios circuitavam a viven<strong>da</strong> esquadrinhando, curiosos, a horta<<strong>br</strong> />
maltrata<strong>da</strong>, de canteiros invadidos pelas palmatórias de flores rutilantes; e um<<strong>br</strong> />
ressoar quase festivo, de vozes, relem<strong>br</strong>ava, um instante, a quadra feliz em<<strong>br</strong> />
que os matutos ali passavam a vi<strong>da</strong> nas horas aligeira<strong>da</strong>s pela paz dos<<strong>br</strong> />
sertões. <strong>Os</strong> mais fortes envere<strong>da</strong>vam logo para a cacimba pouco distante<<strong>br</strong> />
onde, indiferentes aos retar<strong>da</strong>tários e esquecidos dos que viriam depois e por<<strong>br</strong> />
muitas semanas ou meses ain<strong>da</strong> fariam a mesma escala o<strong>br</strong>igatória, se<<strong>br</strong> />
banhavam, lavavam os cavalos suados e poentos e abluíam as chagas no<<strong>br</strong> />
líquido que só se renova de ano em ano, pelas chuvas, passageiras. Volviam<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> os cantis e marmitas cheios avaramente so<strong>br</strong>açados.