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Elogio da Loucura - CFH

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é só com a loucura que as mulheres agra<strong>da</strong>m aos homens. Para confirmar ain<strong>da</strong> mais essa<br />

conclusão, basta refletir nas tolices que se dizem, nas loucuras que se fazem com as<br />

mulheres, quando se anseia por extinguir o fogo do amor.<br />

Já vos revelei, portanto, a fonte do primeiro e supremo prazer <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Concordo que<br />

alguns existam (sobretudo certos velhos mais bebedores que mulherengos) cujo supremo<br />

prazer seja a devassidão. Deixo indecisa a questão de saber se é possível um bom banquete<br />

sem mulheres. O que é certo é que mesa alguma nos pode agra<strong>da</strong>r sem o condimento <strong>da</strong><br />

loucura. E tanto isso é ver<strong>da</strong>de que, quando nenhum dos convi<strong>da</strong>dos se julga maluco ou,<br />

pelo menos, não finge sê-lo, é pago um bobo, ou convi<strong>da</strong>do um engraçado filante que, com<br />

suas pia<strong>da</strong>s, suas brincadeiras, suas bobagens, expulse <strong>da</strong> mesa o silêncio e a melancolia.<br />

Com efeito, que nos adiantaria encher o estômago com tão suntuosas, esquisitas e<br />

apetitosas iguarias, se os olhos, os ouvidos, o espírito e o coração não se nutrissem também<br />

de diversões, risa<strong>da</strong>s e agradáveis conceitos? Ora, sou eu a inventora exclusiva de tais<br />

delícias. Teriam sido, porventura, os sete sábios <strong>da</strong> Grécia os descobridores de todos os<br />

prazeres de um banquete, como sejam tirar a sorte para se saber quem deve ser o rei <strong>da</strong><br />

mesa, jogar <strong>da</strong>do, beberem todos no mesmo copo, cantar um de ca<strong>da</strong> vez com o ramo de<br />

murta na mão (32), <strong>da</strong>nçar, pular, ficar em várias atitudes? Decerto que não: somente eu<br />

podia inventá-los, para a felici<strong>da</strong>de do gênero humano. To<strong>da</strong>s as coisas são de tal natureza<br />

que, quanto mais abun<strong>da</strong>nte é a dose de loucura que encerram, tanto maior é o bem que<br />

proporcionam aos mortais. Sem alegria, a vi<strong>da</strong> humana nem sequer merece o nome de vi<strong>da</strong>.<br />

Mergulharíamos na tristeza todos os nossos dias, se com essa espécie de prazeres não<br />

dissipássemos o tédio que parece ter nascido conosco.<br />

Talvez haja pessoas que, à falta de tais passatempos, limitem to<strong>da</strong> a sua felici<strong>da</strong>de às<br />

relações com ver<strong>da</strong>deiros amigos, repetindo sem cessar que a doçura de uma terna e fiel<br />

amizade ultrapassa todos os outros prazeres, sendo tão necessária à vi<strong>da</strong> como o ar, a água,<br />

o fogo. — Tão agradável é a amizade, — acrescentam, — que afastá-la do mundo<br />

eqüivaleria a afastar o sol; em suma, é ela tão honesta (vocábulo sem significado para mim)<br />

que os próprios filósofos não hesitam em incluí-la entre os principais bens <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. — Mas,<br />

que se dirá, quando eu provar que sou também a única fonte criadora de semelhante bem?<br />

Vou, pois, demonstrá-lo, não com sofismas, nem com caprichosos argumentos tão ao gosto<br />

de retóricos, mas à boa maneira e com to<strong>da</strong> a clareza.<br />

Coragem, vamos! Dissimular, enganar, fingir, fechar os olhos aos defeitos dos amigos,<br />

ao ponto de apreciar e admirar grandes vícios como grandes virtudes, não será, acaso,<br />

avizinhar-se <strong>da</strong> loucura? Beijar, num transporte, uma mancha <strong>da</strong> amiga, ou sentir com<br />

prazer o fedor do seu nariz, e pretender um pai que o filho zarolho tenha dois olhos de<br />

Vênus (33), não será isso uma ver<strong>da</strong>deira loucura? Bradem, pois, quando quiserem ser uma<br />

grande loucura, e acrescentarei que essa loucura é a única que cria e conserva a amizade.<br />

Falo aqui unicamente dos homens, dos quais não há um só que tenha nascido sem defeitos,<br />

e admitindo que, para nós, o homem melhor seja o que tem menores vícios. É por isso que<br />

os sábios, pretendendo divinizar-se com sua filosofia, ou não contraem nenhuma amizade<br />

ou tornam a sua uma ligação áspera e desagradável. Além disso, só costumam gostar<br />

sinceramente de raríssimas pessoas, de forma que nenhum escrúpulo me impede de<br />

asseverar que não gostam absolutamente de ninguém, pela razão que vou apresentar. Quase<br />

todos os homens são loucos; mas, porque quase todos? Não há quem não faça suas loucuras<br />

e, a esse respeito, por conseguinte, todos se assemelham; ora, a semelhança é justamente o<br />

principal fun<strong>da</strong>mento de to<strong>da</strong> estreita amizade.<br />

Quando, porventura, nasce entre esses austeros filósofos uma recíproca benevolência,

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