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vos parece esse ridículo sábio? Devemos chamá-lo de louco ou delirante? Chamai-o do que<br />
quiserdes, desde que concordeis que é graças a mim que esse animal sobrecarregado de<br />
misérias an<strong>da</strong> sempre tão satisfeito, tão orgulhoso de si mesmo e <strong>da</strong> sua sorte, a qual ele<br />
não trocaria pela dos mais ricos e poderosos reis <strong>da</strong> terra.<br />
Já os poetas não me devem tanto, não porque não sejam igualmente loucos, mas porque<br />
têm o direito de ser membros ex professo do meu partido. Há muito tempo que se diz que<br />
“os poetas e os pintores formam uma nação livre”. Os poetas fazem consistir to<strong>da</strong> a sua arte<br />
em impingir lorotas e fábulas ridículas para deleitar os ouvidos dos tolos. Isso não impede<br />
que, apoiados nessas ridicularias, se gabem de obter uma divina imortali<strong>da</strong>de e ain<strong>da</strong> a<br />
prometam aos outros. O amor próprio e a adulação são os seus conselheiros indivisíveis, e<br />
eu não tenho adoradores mais fiéis nem mais constantes do que eles.<br />
Os oradores também pertencem à minha seita. Devo, porém confessar-vos que não são<br />
os meus súditos mais fiéis, pois se assemelham, até certo ponto, aos filósofos. Apesar disso,<br />
além de serem igualmente cheios de amor próprio e de vai<strong>da</strong>de, não deixam de ser fecundos<br />
em frivoli<strong>da</strong>des, sendo que os mais célebres chegaram a escrever a sério extensos tratados<br />
sobre a maneira de pilheriar. O autor, pouco importa o nome, que dedicou a Herênio a arte<br />
de dizer, inclui a loucura entre várias espécies de facécias. O próprio Quintiliano, esse<br />
príncipe dos retóricos, compôs sobre o riso um capítulo mais volumoso do que a Ilía<strong>da</strong>, de<br />
Homero. Segundo esse escritores, a loucura tem uma força maior do que a razão, porque,<br />
muitas vezes, aquilo que não se pode conseguir com nenhum argumento se obtém com uma<br />
chacota. Finalmente, eu não desejaria ser a <strong>Loucura</strong>, se a arte de provocar o riso com<br />
gostosas pia<strong>da</strong>s não fosse exclusivamente minha.<br />
Outra espécie de pessoas mais ou menos <strong>da</strong> mesma laia é constituí<strong>da</strong> pelos que<br />
ambicionam uma fama imortal publicando livros. Todos esses escritores têm parentesco<br />
comigo, sobretudo os que só publicam coisas insípi<strong>da</strong>s. Quanto aos autores que só<br />
escrevem para poucos, isto é, para pessoas de fino gosto e perspicazes, que não recusam o<br />
juízo de Pérsio e de Lélio, confesso-vos ingenuamente que merecem mais compaixão do<br />
que inveja. Imersos numa contínua meditação, pensam, tornam a pensar, acrescentam,<br />
emen<strong>da</strong>m, cortam, tornam a pôr, burilam, refundem, fazem, riscam, consultam, e, nesse<br />
trabalho, levam às vezes nove e dez anos, de acordo com o preceito de Horácio, antes do<br />
manuscrito ser impresso. Oh! como me causam pie<strong>da</strong>de tais escritores! Nunca estando<br />
satisfeitos com o seu trabalho, que recompensa podem esperar? Ai de mim! um pouco de<br />
incenso, um reduzido número de leitores, um louvor incerto. Mas, respondei-me<br />
francamente: compensarão essas tênues bagatelas o sacrifício do sono, mais doce do que<br />
tudo, <strong>da</strong> tranqüili<strong>da</strong>de, dos prazeres, numa palavra, de to<strong>da</strong>s as doçuras <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>? É preciso<br />
acrescentar ain<strong>da</strong> que esses sonhadores que an<strong>da</strong>m em busca de imortali<strong>da</strong>de arruinam a<br />
saúde, tornam-se pálidos, magros, ramelentos e, às vezes, até cegos. São sempre<br />
miseráveis, invejados, não têm prazer algum e, como resultado, só conseguem apressar a<br />
velhice e a própria morte. Malgrado tudo isso, o nosso sábio considera suficiente, como<br />
remédio a tantos males, a aprovação de um ou dois ramelentos <strong>da</strong> sua espécie.<br />
Mas, falemos, agora, de um autor que escreva sob os meus auspícios e do qual seja eu a<br />
Minerva. Não conhecendo a meditação, nem a tortura do cérebro, nem as vigílias, escreve<br />
tudo o que sonha, tudo o que lhe vem à cabeça. Tudo lhe parece surpreendente e divino. A<br />
pena mal pode acompanhar a veloci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> imaginação, e dos pensamentos. Não<br />
dispendendo mais do que um pouco de papel, escreve um mundo de disparates e de<br />
impertinências, convencido de que, publicando bobagens, grangeará mais facilmente os<br />
aplausos <strong>da</strong> maioria, isto é, de todos os tolos e de todos os ignorantes. E quem poderá negar