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Elogio da Loucura - CFH

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contínuo prazer, rindo, jogando e cantando, mas me parece, além disso, que a alegria, o<br />

prazer, a chacota, o riso, seguem-lhes os passos por to<strong>da</strong> parte. Dir-se-ia que os deuses<br />

tiveram a bon<strong>da</strong>de de misturá-los com os homens para edulcorar a tristeza <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> humana.<br />

Eu desejaria que notásseis ain<strong>da</strong> um privilégio que honra muitíssimo os meus súditos.<br />

Diversa é a disposição do coração humano de indivíduo para indivíduo; mas, quanto aos<br />

meus loucos, todos os homens sentem prazer em possuí-los, como se soubessem que eles<br />

são <strong>da</strong> sua natureza. Desejam-nos com transporte, abraçam-nos, lisonjeiam-nos, alimentamnos,<br />

socorrem-nos em suas necessi<strong>da</strong>des, em suma, permitem-lhes dizer e fazer todo mal<br />

que lhe aprouver. Não só não se encontra ninguém que se atreva a contrariá-los, como<br />

parece que até as próprias feras, por um natural sentimento <strong>da</strong> sua inocência, contêm diante<br />

deles a sua inata feroci<strong>da</strong>de. São sagrados para os deuses, para mim sobretudo, motivo<br />

porque é muito justo que todos usem para com eles do mesmo respeito.<br />

Que diremos, em segui<strong>da</strong>, de tantas outras prerrogativas de que gozam os meus<br />

sequazes? Os maiores monarcas de tal forma concentraram neles as suas delícias, que<br />

muitos não podem nem jantar, nem passear, nem ficar longe deles por uma hora sequer.<br />

Que diferença não acharão, pois, entre os seus bobos e os sábios melancólicos, dos quais<br />

talvez mantenham um para lhes fazer as honras? E uma tal diferença na<strong>da</strong> tem de<br />

misterioso nem de surpreendente, porque os sábios, em geral, só sabem dizer coisas<br />

melancólicas e, às vezes, confiando no próprio saber, permitem-se ofender os delicados<br />

ouvidos com pungentes ver<strong>da</strong>des. Os meus loucos, ao contrário, têm uma vi<strong>da</strong> totalmente<br />

oposta e observam, para com os príncipes, to<strong>da</strong>s as maneiras que mais costumam agra<strong>da</strong>r,<br />

divertindo os outros com mil chacotas e bobagens, com ditos satíricos, com caretas e<br />

disparates de fazer qualquer pessoa rebentar de riso. Notai, de passagem, o privilégio que<br />

têm os bobos de poder falar com to<strong>da</strong> a sinceri<strong>da</strong>de e franqueza. Haverá coisa mais<br />

louvável do que a ver<strong>da</strong>de? Se bem que, com Platão, o provérbio de Alcebíades diga que a<br />

ver<strong>da</strong>de se encontra no vinho e nas crianças, contudo é a mim, particularmente, que<br />

convém esse elogio, porque, segundo o testemunho de Eurípedes, tudo o que o tolo encerra<br />

no coração ele o traz também impresso na cabeça e o manifesta nas palavras. Mas, os<br />

sábios, segundo o mesmo Eurípedes, têm duas línguas, uma para dizer o que pensam e a<br />

outra para falar conforme às circunstâncias: quando o querem, têm talento para fazer o<br />

preto aparecer como branco e o branco como preto, soprando com a mesma boca o calor e o<br />

frio (66) e exprimindo com palavras exatamente o contrário do que sentem no peito.<br />

Não posso deixar, aqui, de lastimar a sorte dos príncipes. Oh! como são infelizes!<br />

Inacessíveis à ver<strong>da</strong>des, só contam com a amizade dos aduladores. Mas, ponderará alguém<br />

que eles não devem queixar-se senão de si mesmos. Porque será que os príncipes não<br />

gostam de prestar ouvidos à ver<strong>da</strong>de? E porque detestam a companhia dos filósofos? Ah!<br />

bem vejo que isso se deve ao medo que têm os príncipes de encontrar, entre os filósofos,<br />

algum petulante que se atreva a dizer o que é ver<strong>da</strong>deiro e não o que é agradável! Concedo,<br />

de bom agrado, que a ver<strong>da</strong>de seja odia<strong>da</strong> por todos e muito mais pelos monarcas. Mas, é<br />

justamente essa razão o que mais honra os meus loucos. Nem mesmo dissimulam os vícios<br />

e os defeitos dos reis. Que digo eu? Chegam, muitas vezes, a insultá-los, a injuriá-los, sem<br />

que esses senhores do mundo se ofen<strong>da</strong>m por isso ou se aborreçam. Sabemos que os<br />

príncipes, em lugar de ficarem indignados, riem-se de todo coração quando um tolo lhes diz<br />

coisas que seriam mais do que suficientes para enforcar um filósofo. Só se costuma<br />

defender a ver<strong>da</strong>de quando não se é atingido por ela; ora, só aos loucos os deuses<br />

concederam o privilégio de censurar e moralizar sem ofender a ninguém. Quase pela<br />

mesma razão é que as mulheres gostam dos loucos e dos bobos, e é por isso que esse sexo é

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