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Elogio da Loucura - CFH

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encobrí-las com o véu do interesse público, <strong>da</strong> justiça e <strong>da</strong> eqüi<strong>da</strong>de. Dirigem ao povo belas<br />

palavras, chamando de bons, fiéis, afeiçoadíssimos os seus súditos, e, enquanto furtam com<br />

uma <strong>da</strong>s mãos, acariciam com a outra, prevenindo assim os seus lamentos e acostumandoos,<br />

aos poucos, a suportar o jugo <strong>da</strong> tirania. Dito isso, quero fazer uma suposição: imaginai<br />

no trono (coisa que, aliás, acontece freqüentemente), imaginai no trono, dizia eu, um<br />

homem ignorante <strong>da</strong>s leis, quase inimigo do bem público, que só tem em mira o seu<br />

interesse pessoal, escravo dos prazeres, menosprezador <strong>da</strong>s ciências, que despreza a<br />

ver<strong>da</strong>de, que não pode escutar uma linguagem sincera, que tem a felici<strong>da</strong>de dos escravos<br />

como último dos prazeres, que não segue senão suas paixões, que mede ca<strong>da</strong> coisa pela<br />

própria utili<strong>da</strong>de. Colocai nesse homem a gargantilha de ouro, ornamento que significa o<br />

complexo e a união de to<strong>da</strong>s as virtudes; colocai-lhe na cabeça a coroa enriqueci<strong>da</strong> de<br />

pedras preciosas, o que o adverte de estar na obrigação de superar todos os outros em to<strong>da</strong><br />

sorte de heróicas virtudes; ponde-lhe o cetro na mão, cetro que é o símbolo <strong>da</strong> justiça e de<br />

uma alma perfeitamente incorruptível; vestí-o, finalmente, com a minha púrpura, que<br />

denota um vivo amor ao povo e um ardentíssimo zelo por sua felici<strong>da</strong>de. Sou de parecer<br />

que, se esse monarca comprasse os seus ornamentos reais com a sua viciosa conduta, não<br />

poderia deixar de sentir vergonha e rubor, e estou convenci<strong>da</strong> de que teria bastante receio<br />

de ser posto a ridículo, com os seus simbólicos enfeites, por algum lépido e sensato<br />

glosador.<br />

Passemos, agora, aos grandes <strong>da</strong> corte. Não há escravidão mais vil, mais repulsiva, mais<br />

desprezível do que aquela a que se submete essa ridícula espécie de homens, que, não<br />

obstante, costuma ganhar para si, de alto a baixo, o resto dos mortais. Convenhamos,<br />

porém, que são modestíssimos num único ponto: é que, satisfeitos de possuir o ouro, as<br />

pedras, a púrpura e todos os outros símbolos <strong>da</strong> sabedoria e <strong>da</strong> virtude, cedem facilmente<br />

aos outros o cui<strong>da</strong>do <strong>da</strong> sabedoria e <strong>da</strong> virtude. Para eles, a maior felici<strong>da</strong>de consiste em ter<br />

a honra de falar ao rei, de chamá-lo de Senhor e Mestre absoluto, de fazer-lhe um breve e<br />

estu<strong>da</strong>do cumprimento, de poder prodigalizar-lhe os títulos faustosos de Vossa Majestade,<br />

Vossa Alteza Real, Vossa Sereni<strong>da</strong>de, etc. etc. To<strong>da</strong> a habili<strong>da</strong>de dos cortesãos consiste em<br />

trajar-se com proprie<strong>da</strong>de e magnificência, em an<strong>da</strong>r sempre bem perfumados e, sobretudo,<br />

em saber adular com delicadeza. Quanto ao espírito e aos costumes, são ver<strong>da</strong>deiros<br />

Feácios (92), ver<strong>da</strong>deiros amantes de Penélope, a esse respeito, sabeis o que diz Homero<br />

(93), e, melhor do que eu, vo-lo repetirá a ninfa Eco. O vil escravo do monarca, quando não<br />

deva fazer a corte ao senhor (pois nesse caso se levantaria ao primeiro canto do galo),<br />

costuma dormir até ao meio-dia, e, mal desperta, o mercenário capelão, que já esperava por<br />

esse momento, resmunga-lhe às pressas uma missa. Em segui<strong>da</strong>, passa a cui<strong>da</strong>r do almoço,<br />

e <strong>da</strong>í a pouco, do jantar, ao qual sucedem imediatamente os jogos de <strong>da</strong>dos e de xadrez, os<br />

bobos, as cortesãs, os divertimentos inconvenientes e todos os outros prazeres chamados<br />

passatempos. Esses devotos exercícios não se fazem sem uma ou duas meren<strong>da</strong>s; depois,<br />

vem a ceia, e se passa a noite no meio <strong>da</strong>s garrafas. E assim, sem pensar que se nasce para<br />

morrer, a vi<strong>da</strong> passa rapi<strong>da</strong>mente. As horas, os dias, os meses, os anos, os lustros<br />

transcorrem para eles sem nenhum aborrecimento, como um relâmpago. Tenho a impressão<br />

de sair de um banquete, ao vê-los gabaram-se de suas ridicularias. Aquela ninfa se julga<br />

mais próxima dos deuses, por arrastar atrás de si uma cau<strong>da</strong> mais longa do que as outras;<br />

esse fi<strong>da</strong>lgo, por ter recebido do príncipe uma cotovela<strong>da</strong> no estômago, ao tentar penetrar<br />

na multidão, fica satisfeito e acredita haver menor distância entre ele e o soberano; aquele<br />

cortesão pavoneia-se com a corrente de ouro que lhe pende do pescoço, por ser muito mais<br />

pesa<strong>da</strong> que a dos outros e servir, assim, não só para mostrar opulência como também sua

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