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exemplo e pelos milagres do que com argumentos, tanto mais quanto os primitivos<br />
inimigos do cristianismo eram de gênio tão limitado que nunca poderiam conceber um<br />
único princípio de Scot. Mas, adiantem-se agora, se quiserem; e os incrédulos, os pagãos,<br />
os judeus, os hereges, todos, todos sem exceção, deverão converter-se e ceder à forca <strong>da</strong>s<br />
ínfimas sutilezas dos teólogos modernos. É preciso ser estúpido ou impudente para não<br />
conhecer o valor <strong>da</strong>s suas argúcias ou desprezá-las. Acho prudente aconselhar a rendição ao<br />
primeiro assalto ou a aceitação do desafio quando houver igual<strong>da</strong>de de armas. Mas, nesse<br />
caso, seria o mesmo que lançar um mago contra um mago, ou empregar uma espa<strong>da</strong><br />
encanta<strong>da</strong> contra outra espa<strong>da</strong> encanta<strong>da</strong>. Seria, em suma, o mesmo que tecer o pano de<br />
Penélope (88).<br />
A propósito de combate, parece-me que os cristãos deveriam mu<strong>da</strong>r as suas tropas na<br />
guerra movi<strong>da</strong> contra os infiéis. Se em lugar <strong>da</strong> grosseira e material sol<strong>da</strong>desca, que há<br />
tanto tempo empregam inutilmente nas cruza<strong>da</strong>s, expedissem, contra os turcos e os<br />
sarracenos, os clamorosos scotistas, os obstinados occanistas, os invencíveis albertistas e<br />
to<strong>da</strong> a milícia dos sofistas, quem poderia resistir ao assalto dessas tropas coliga<strong>da</strong>s? Bem<br />
ridícula seria, a meu ver, uma tal batalha, e inteiramente nova a vitória. Quem seria tão frio<br />
ao ponto de não acender-se ao fogo <strong>da</strong>s disputas? Quem seria tão poltrão ao ponto de não<br />
acorrer aos golpes dessas esporas? Quem pode gabar-se de ter tão boa vista que não se<br />
perturbe com o esplendor dessas sutilezas?<br />
Pensais que eu esteja brincando? Não vos ilu<strong>da</strong>is. Uma tal arma<strong>da</strong> seria ain<strong>da</strong> menos<br />
numerosa do que se supõe, porque, entre os próprios teólogos, existem homens de uma<br />
doutrina sóli<strong>da</strong> e judiciosa, aos quais causam náuseas essas frívolas e impertinentes<br />
argúcias, e os há ain<strong>da</strong> de uma consciência tão reta que experimentam por elas horror,<br />
como que por uma espécie de sacrilégio. — Que horrível heresia! — exclamam eles. — Em<br />
lugar de adorarem a impenetrável obscuri<strong>da</strong>de dos nossos mistérios (que justamente por<br />
isso são mistérios), pretendem explicá-los. E de que maneira? Com uma linguagem imun<strong>da</strong><br />
e argumentos não menos profanos que os dos gentios. Arrogam-se insolentemente o direito<br />
de definir e discutir ver<strong>da</strong>des incomprensíveis, profanando assim a majestade <strong>da</strong> teologia<br />
com as palavras e sentenças mais insulsas e triviais.<br />
No entanto, esses insignificantes faladores envaidecem-se com sua vazia erudição e<br />
experimentam tanto prazer em ocupar-se dia e noite com essas suavíssimas nênias que nem<br />
tempo lhes sobra para ler ao menos uma vez o evangelho e as cartas de São Paulo. E o mais<br />
bonito é que, enquanto assim cacarejam em suas escolas, imaginam-se os defensores <strong>da</strong><br />
Igreja, que cairia na certa, se cessassem um momento de sustentá-la com a forca dos seus<br />
silogismos, exatamente como Atlante, segundo os poetas, sustenta o céu com as costas.<br />
Contam ain<strong>da</strong> os nossos discutidores com outro grande motivo de felici<strong>da</strong>de. As<br />
escrituras são, em suas mãos, como um pe<strong>da</strong>ço de cera, pois costumam <strong>da</strong>r-lhes a forma e o<br />
significado que mais correspon<strong>da</strong>m ao seu gênio. Pretendem que as suas decisões acerca<br />
<strong>da</strong>s sagra<strong>da</strong>s escrituras, uma vez aceitas por alguns outros escolásticos, devam ser mais<br />
respeita<strong>da</strong>s do que as leis de Solon e antepostas aos decretos dos papas. Erigem-se em<br />
censores do mundo e, se alguém se afasta um pouquinho <strong>da</strong>s suas conclusões, diretas ou<br />
indiretas, obrigam-no logo a se retratar, sentenciando como oráculos: Essa proposição é<br />
escan<strong>da</strong>losa, esta aqui é temerária, aquela cheira à heresia, aquela outra soa mal. Dessa<br />
forma, nem o evangelho, nem o batismo, nem Paulo, nem Pedro, nem Jerônimo, nem<br />
Agostinho, nem o próprio Tomás de Aquino, embora aristotélico fanático, saberiam fazer<br />
um ortodoxo sem o beneplácito desses bacharéis, tão necessário é a sua sutileza para bem<br />
decidir <strong>da</strong> ortodoxia. Quem teria suspeitado que não fosse cristão alguém que sustentasse