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Elogio da Loucura - CFH

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que pretendem repor a felici<strong>da</strong>de no gozo <strong>da</strong>s coisas tenham a bon<strong>da</strong>de de observar quais e<br />

quantos são os sofrimentos que costumam causar mesmo os objetos menos importantes.<br />

Para fazermos um juízo a respeito, basta-nos lembrar as dificul<strong>da</strong>des que oferece o estudo<br />

<strong>da</strong> gramática. A opinião, ao contrário, é concebi<strong>da</strong> sem esforço, insinua-se por si mesma no<br />

coração e contribui também, talvez mais do que a evidência e a reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s coisas, para a<br />

felici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Se um esfomeado come carne podre, cujo fedor obrigaria um outro a<br />

tapar o nariz, se ele a come com tanto gosto como se se tratasse do alimento mais fino, eu<br />

vos pergunto se por isso deve ser considerado menos feliz. Ao contrário, se um enfastiado<br />

comesse excelentes iguarias e, em lugar do seu gosto, sentisse náuseas, onde estaria, nesse<br />

caso, a sua felici<strong>da</strong>de? Para um homem que tem uma mulher feíssima, mas na qual vê<br />

perfeitamente a sua bela, não é o mesmo que se tivesse desposado uma Vênus? O tolo que<br />

possui um mau e miserabilíssimo quadro, mas acredita possuir uma pintura de Zeuxis ou de<br />

Apeles, não se cansando de comtemplá-lo e admirá-lo, não será incomparavelmente mais<br />

feliz que o que, tendo comprado por elevado preço um quadro desses excelentes pintores,<br />

não experimente igual prazer ao contemplar as suas obras?<br />

De um homem que tem a honra de trazer o meu nome, eu sei que, pouco depois <strong>da</strong>s<br />

núpcias, deu de presente à sua mulher brihantes falsos. Sendo ele um engraçado tratante,<br />

convenceu a mulher de que as pedras eram preciosas, tendo lhe custado uma grande soma.<br />

Ora, na<strong>da</strong> faltava ao prazer <strong>da</strong> esposa. Ela gostava de se enfeitar com aqueles pe<strong>da</strong>ços de<br />

vidro e não se cansava de admirá-los, satisfeitíssima de possuir o imaginário tesouro, como<br />

se este fosse real. Ao mesmo tempo, o marido poupara uma despesa apreciável e estava<br />

contente com o engano <strong>da</strong> mulher, que lhe agradecia <strong>da</strong> mesma forma por que o teria feito<br />

se ele lhe tivesse <strong>da</strong>do um magnífico presente.<br />

Merecem ser incluídos nessa categoria os habitantes <strong>da</strong> caverna de Platão (77). Ao<br />

verem, os tolos, as sombras e as aparências de diversas coisas, admiram-nas e na<strong>da</strong> mais<br />

procuram, <strong>da</strong>ndo-se por satisfeitos. Já os filósofos, por estarem fora <strong>da</strong> caverna, não só<br />

observam os mesmos objetos como lhes investigam os mistérios. Não terão uns e outros o<br />

mesmo prazer? Se o remendão Micilo (78), de que fala Luciano, tivesse podido passar o<br />

resto dos seus dias no belíssimo sonho em que se embalava quando o despertaram, poderia<br />

ele desejar felici<strong>da</strong>de maior?<br />

Não haveria, pois, diferença alguma entre os sábios e os loucos, se não fossem mais<br />

felizes estes últimos. Sim, porque estes o são por dois motivos: o primeiro é que a<br />

felici<strong>da</strong>de dos loucos não custa na<strong>da</strong>, bastando um pouquinho de persuasão para formá-la; o<br />

segundo é que os meus loucos são felizes mesmo quando estão juntos com muitos outros.<br />

Ora, é impossível gozar um bem quando se está sozinho.<br />

Os sábios são em número tão escasso que nem vale a pena falar deles, e eu desejaria<br />

saber mesmo se é possível descobrir algum. No curso de tantos séculos, a Grécia se<br />

vangloria de ter produzido apenas sete sábios. É na ver<strong>da</strong>de maravilhoso! O gênero humano<br />

deve mesmo muito a essa felici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Grécia! Foram mesmo sete? Pois pedi a Deus que<br />

não vos venha o desejo de anatomizá-los cui<strong>da</strong>dosamente, porque, de contrário (juro-vos<br />

por Hércules, arrebento-vos a cabeça), não encontraríeis, decerto, nem a metade de um<br />

filósofo e talvez nem mesmo um terço.<br />

Quero louvar-me ain<strong>da</strong> num outro fato. Entre os numerosos méritos que os poetas<br />

costumam atribuir a Baco, o que se mantém e é realmente o primeiro é o que consiste em<br />

tirar e dissipar do ânimo dos mortais as aflições, as inquietações e a tristeza, perversas<br />

filhas <strong>da</strong> razão: mas, por pouco tempo, porque, depois de algumas horas de sono, voltam a<br />

atormentar-nos imediatamente e, como se costuma dizer, a todo o galope. Não será isso

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