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Elogio da Loucura - CFH

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interesses; vêem-se os que contraem dívi<strong>da</strong>s para pagar as dos outros e, quando se julgam<br />

ricos, verificam que estão falidos; há os que, vivendo pobremente, não conhecem outra<br />

felici<strong>da</strong>de senão a de enriquecer os seus herdeiros; outros, ávidos de riquezas, percorrem os<br />

mares em busca de um ganho incerto, confiando às on<strong>da</strong>s e aos ventos uma vi<strong>da</strong> que<br />

nenhum ouro do mundo poderia resgatar; outros, sedentos de sangue, preferem tentar a<br />

sorte no meio dos perigos e dos horrores <strong>da</strong> guerra a passar seus dias, cômo<strong>da</strong> e<br />

tranqüilamente, no seio <strong>da</strong> família; enfim, gabam-se de uma gor<strong>da</strong> herança, quando<br />

conseguem apoderar-se do ânimo de algum velho que está para morrer sem herdeiros, ou<br />

quando têm a fortuna de cativar a graça e o favor de uma rica velhota. Mas, depois, como<br />

se riem os deuses, ao verem esses pescadores de dinheiro nas próprias redes!<br />

Os negociantes, sobretudo, são os mais sórdidos e estúpidos atores <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> humana: não<br />

há coisa mais vil do que a sua profissão, e, como coroamento <strong>da</strong> obra, exercem-na <strong>da</strong><br />

maneira mais porca. São, em geral, perjuros, mentirosos, ladrões, trapaceiros, impostores.<br />

No entanto, devido à sua riqueza, são tidos em grande consideração e chegam a encontrar<br />

frades aduladores, particularmente entre os mendicantes, que lhes fazem humildemente a<br />

corte e publicamente lhes dão o nome de veneráveis, a fim de lhes abiscoitar uma parte dos<br />

mal adquiridos tesouros. Vêem-se, também, alguns sequazes de Pitágoras, que adotando a<br />

opinião desse filósofo, segundo a qual todos os bens são comuns, usurpam concientemente<br />

tudo o que podem, como se conseguissem uma herança legítima. Outros, imaginando-se<br />

ricos, arquitetam belíssimas quimeras de fortuna e vivem felizes nas suas esperanças.<br />

Alguns querem passar por ricos, embora às vezes chegue a lhes faltar o necessário. Um<br />

apressa-se a esbanjar todos os seus bens, enquanto outro está sempre preocupado em<br />

acumular, por meios lícitos, tudo o que pode. Há os que anseiam por obter um cargo, e os<br />

que, acima de tudo, preferem viver ociosamente sentados a um canto do lar. Enfurecem-se<br />

as partes com a demora do processo, parecendo apostar qual <strong>da</strong>s duas tem mais a<br />

possibili<strong>da</strong>de de enriquecer um juiz venal e um advogado prevaricador, cujo intuito não é<br />

senão prolongar a deman<strong>da</strong>, que só para eles traz vantagens. Os homens agitados e<br />

sediciosos an<strong>da</strong>m sempre atrás de novi<strong>da</strong>des, enquanto os inquietos meditam grandes<br />

empresas. Alguns empreendem uma romaria a Jerusalém, a Roma, a São Tiago, onde não<br />

têm na<strong>da</strong> que fazer, enquanto deixam abandonados em casa a mulher e os filhos, que tanto<br />

necessitam de sua presença.<br />

Se, finalmente, pudésseis observar, do mundo <strong>da</strong> lua, como o fez Menipo, as inúmeras<br />

agitações dos mortais, decerto acreditaríeis estar vendo uma densa nuvem de moscas ou de<br />

pernilongos brigando, insidiando-se, guerreando-se, invejando-se, espoliando-se,<br />

enganando-se, fornicando-se, nascendo, envelhecendo, morrendo. Não podeis sequer<br />

imaginar os horrores e as revoluções com que enche a terra esse animalzinho, tão pequeno e<br />

de tão pouca duração, que vulgarmente se chama homem.<br />

Quantas vezes um rápido turbilhão guerreiro ou pestífero basta para subtrair e dizimar<br />

num momento muitos milhares de homens! Mas, eu própria seria profun<strong>da</strong>mente estúpi<strong>da</strong> e<br />

mereceria que Demócrito se risse de mim a valer, se pretendesse descrever to<strong>da</strong>s as<br />

extravagâncias e loucuras do vulgo. Passemos, pois, a falar dos que conservam, entre os<br />

homens, uma aparência de sabedoria e possuem, como dizem eles esse ramo de ouro de<br />

Virgílio.<br />

Entre esses, ocupam o primeiro posto os gramáticos, ou sejam os pe<strong>da</strong>ntes. Essa espécie<br />

de homens seria decerto a mais miserável, a mais aflita, a mais malquista pelos deuses, se<br />

eu não tivesse o cui<strong>da</strong>do de mitigar os incômodos de tal profissão com gêneros especiais de<br />

loucura. Não estão eles sujeitos apenas às cinco pragas e flagelos do epigrama grego, mas

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