18.04.2013 Views

Elogio da Loucura - CFH

Elogio da Loucura - CFH

Elogio da Loucura - CFH

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

prova incontestável do que afirmo está em que não sei que súbita e desusa<strong>da</strong> alegria brilhou<br />

no rosto de todos ao aparecer eu diante deste numerosíssimo auditório. De fato, erguestes<br />

logo a fronte, satisfeitos, e com tão prazenteiro e amável sorriso me aplaudistes, que na<br />

ver<strong>da</strong>de todos os que distingo ao meu redor me parecem outros tantos deuses de Homero,<br />

embriagados pelo néctar com nepente (8). No entanto, antes, estivestes sentados, tristes e<br />

inquietos, como se há pouco tivésseis saído <strong>da</strong> caverna de Trofônio (9). Com efeito, como<br />

no instante em que surge no céu a brilhante figura do sol, ou como quando, após um rígido<br />

inverno, retorna a primavera com suas doces aragens e vemos to<strong>da</strong>s as coisas tomarem logo<br />

um novo aspecto, matizando-se de novas cores, contribuindo tudo para de certo modo<br />

rejuvenecer a natureza, assim também, logo que me vistes, transformastes inteiramente as<br />

vossas fisionomias. Bastou, pois, a minha simples presença para eu obter o que valentes<br />

oradores mal teriam podido conseguir com um longo e longamente meditado discurso:<br />

expulsar a tristeza de vossa alma.<br />

Se, agora, fazeis questão de saber por que motivo me agra<strong>da</strong> aparecer diante de vós com<br />

uma roupa tão extravagante, eu vo-lo direi em segui<strong>da</strong>, se tiverdes a gentileza de me prestar<br />

atenção; não a atenção que costumais prestar aos oradores sacros, mas a que prestais aos<br />

charlatães, aos intrujões e aos bobos <strong>da</strong>s ruas, numa palavra, a que o nosso Mi<strong>da</strong>s (10)<br />

prestava ao canto do deus Pã. E isso porque me agra<strong>da</strong> ser convosco um tanto sofista: não<br />

<strong>da</strong> espécie dos que hoje não fazem senão imbuir as mentes juvenis de inúteis e difíceis<br />

bagatelas, ensinando-os a discutir com uma pertinácia mais do que feminina. Ao contrário,<br />

pretendo imitar os antigos, que, evitando o infame nome de filósofos, preferiram chamar-se<br />

sofistas (11), cuja principal cogitação consistia em elogiar os deuses e os heróis. Ireis, pois,<br />

ouvir o elogio, não de um Hércules ou de um Solon, mas de mim mesma, isto é, <strong>da</strong><br />

<strong>Loucura</strong>.<br />

Para dizer a ver<strong>da</strong>de, não nutro nenhuma simpatia pelos sábios que consideram tolo e<br />

impudente o auto-elogio. Poderão julgar que seja isso uma insensatez, mas deverão<br />

concor<strong>da</strong>r que uma coisa muito decorosa é zelar pelo próprio nome.<br />

De fato, que mais poderia convir à <strong>Loucura</strong> do que ser o arauto do próprio mérito e fazer<br />

ecoar por to<strong>da</strong> parte os seus próprios louvores? Quem poderá pintar-me com mais<br />

fideli<strong>da</strong>de do que eu mesma? Haverá, talvez, quem reconheça melhor em mim o que eu<br />

mesma não reconheço? De resto, esta minha conduta me parece muito mais modesta do que<br />

a que costuma ter a maior parte dos grandes e dos sábios do mundo. É que estes, calcando o<br />

pudor aos pés, subornam qualquer panegirista adulador, ou um poetastro tagarela, que, à<br />

custa do ouro, recita os seus elogios, que não passam, afinal, de uma rede de mentiras. E,<br />

enquanto o modestíssimo homem fica a escutá-lo, o adulador ostenta penas de pavão,<br />

levanta a crista, modula uma voz de timbre descarado comparando aos deuses o<br />

homenzinho de na<strong>da</strong>, apresentando-o como modelo absoluto de to<strong>da</strong>s as virtudes, muito<br />

embora saiba estar ele muito longe disso, enfeitando com penas não suas a desprezível<br />

gralha, esforçando-se por alvejar as peles <strong>da</strong> Etiópia, e, finalmente, fazendo de uma mosca<br />

um elefante. Assim, pois, sigo aquele conhecido provérbio que diz: Não tens quem te<br />

elogie? Elogia-te a ti mesmo.<br />

Não posso deixar, neste momento, de manifestar um grande desprezo, não sei se pela<br />

ingratidão ou pelo fingimento dos mortais. É certo que nutrem por mim uma veneração<br />

muito grande e apreciam bastante as minhas boas ações; mas, parece incrível, desde que o<br />

mundo é mundo, nunca houve um só homem que, manifestando o reconhecimento, fizesse<br />

o elogio <strong>da</strong> <strong>Loucura</strong>.<br />

Não faltou, contudo, quem, com grande per<strong>da</strong> de azeite e de sono, exaltasse, com

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!