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Elogio da Loucura - CFH

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elogios estu<strong>da</strong>tíssimos, os Busiris (12) e os Falaris (13), a febre quartã e a mosca, a calvície<br />

e outras pestes semelhantes. Ireis, pois, ouvir de mim mesma o meu panegírico, o qual, não<br />

sendo oportuno nem estu<strong>da</strong>do, será, por isso mesmo, muito mais sincero. Não julgueis que<br />

assim vos fale por ostentação de engenho, como costuma fazer a maior parte dos oradores.<br />

Estes, como bem sabeis, depois de se esfalfarem bem uns trinta anos em cima de um<br />

discurso, talvez surrupiado de outrem, são tão impudentes que procuram impingir que o<br />

fizeram, por divertimento, em três dias, ou então que o ditaram. Eu, ao contrário, sempre<br />

gostei muito de dizer tudo o que me vem à boca.<br />

Não espereis que, de acordo com o costume dos retóricos vulgares, eu vos dê a minha<br />

definição e mito menos a minha divisão. Com efeito, que é definir? É encerrar a idéia de<br />

uma coisa nos seus justos limites. E que é dividir? É separar uma coisa em suas diversas<br />

partes. Ora, nem uma nem outra me convém. Como poderia limitar-me, quando o meu<br />

poder se estende a todo o gênero humano? E, como poderia dividir-me, quando tudo<br />

concorre, em geral, para sustentar a minha divin<strong>da</strong>de? Além disso, porque haveria de me<br />

pintar como sombra e imagem numa definição quando estou diante dos vossos olhos e me<br />

vedes em pessoa?<br />

Sou eu mesma, como vedes; sim, sou eu aquela ver<strong>da</strong>deira dispenseira de bens, a que os<br />

italianos chamam Pazzia e os gregos Mória. E que necessi<strong>da</strong>de havia de vo-lo dizer? O<br />

meu rosto já não o diz bastante? Se há alguém que desastra<strong>da</strong>mente se tenha iludido,<br />

tomando-me por Minerva ou pela Sabedoria, bastará olhar-me de frente, para logo me<br />

conhecer a fundo, sem que eu me sirva <strong>da</strong>s palavras que são a imagem sincera do<br />

pensamento. Não existe em mim simulação alguma, mostrando-me eu por fora o que sou no<br />

coração. Sou sempre igual a mim mesma, de tal forma que, se alguns dos meus sequazes<br />

presumem não passar por tais, disfarçando-se sob a máscara e o nome de sábios, não serão<br />

eles mais do que macacos vestidos de púrpura, do que burros vestidos com pele de leão.<br />

Qualquer, pois, que seja o raciocínio feito para se mostrarem diferentes do que são, dois<br />

compridos orelhões descobrirão sempre o seu Mi<strong>da</strong>s.<br />

Para dizer a ver<strong>da</strong>de, não estou na<strong>da</strong> satisfeita com essa gente ingrata, com esses<br />

perversos velhacos, porque, embora pertençam mais do que os outros ao nosso império, não<br />

só publicamente se envergonham de usar o meu nome, como muitas vezes chegam a aplicálo<br />

aos outros como título oprobioso. Portanto, sendo eles loucos e arquiloucos, embora<br />

assumam a atitude de sábios e de Tales (14), não teremos razão de chamá-los loucamente<br />

de sábios?<br />

A esse respeito, pareceu-me igualmente oportuno imitar os retóricos dos nossos dias,<br />

que se reputam outras tantas divin<strong>da</strong>des, uma vez que podem gabar-se de outras línguas<br />

como a sanguessuga (15) e consideram coisa maravilhosa inserir nos seus discursos, de<br />

cambulha<strong>da</strong>, mesmo fora de propósito, palavrinhas gregas, a fim de formarem belíssimos<br />

mosaicos. E, quando acontece que um desses oradores não conhece as línguas estrangeiras,<br />

desentranha ele de rançosos papéis quatro ou cinco vocábulos, com os quais lança poeira<br />

aos olhos do leitor, de forma que os que o entendem se compadeçam do próprio saber e os<br />

que não o comprendem o admirem na proporção <strong>da</strong> própria ignorância. Para nós, os tolos,<br />

um dos maiores prazeres não consistirá em admirar, com a máxima surpresa, tudo o que<br />

nos vem dos países ultramontanos? Finalmente, se houver alguns que, embora não<br />

entendendo na<strong>da</strong> desses velhos idiomas, queiram <strong>da</strong>r mostras de que os compreendem,<br />

nesse caso devem aparentar uma fisionomia satisfeita, aprovar abanando a cabeça, ou<br />

simplesmente as longas orelhas de burro, e dizer com um ar de importância: Bravo! Bravo!<br />

Muito bem! Justamente!

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